"Enquanto não conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do desespero humano, não teremos o direito de tentar a supressão dos meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero."
Antonin Artaud

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

"(...) There is a girl, blabbing nothing outside my window
What do I have to show
To a world that the only way to destroy
Is to die like a baby boy
I could be happy in infinity
Of the space of my eyelid
But I know I'm somewhere else
Where the words on this page
Are better than the scribling nonsense they are,
And it would be real,
And I eat my last meal
Wish that I could feel
But now I don't even know if I'm real"




John Frusciante, letra de I'm Always.




marcus.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Erickson Luna - ”Quem tem que comandar nossa vida é nossa cabeça, o corpo que se vire para ir atrás”




Homenagem ao poeta Erickson Luna.


"Erickson Luna estava internado havia mais 30 dias no Hospital Otávio de Freitas. Era portador de pancreatite crônica. A doença foi diagnosticada quando ele sofreu uma queda e quebrou o fêmur. Aconselhado pelos médicos a abandonar a bebida, Luna foi categórico ao afirmar, segundo o amigo Ednaldo Possas, parceiro de mesa do Mercado da Boa Vista: Quem tem que comandar nossa vida é nossa cabeça, o corpo que se vire para ir atrás."

"O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria. Esta máxima do poeta inglês William Butler Yeats bem que poderia ser o epitáfio escrito na lápide de Erickson Luna. O poeta pernambucano, considerado por amigos geracionais e outros mais jovens como o “o último dos beatniks”, morreu na madrugada desta quinta-feira aos 49 anos." (excerto de texto escrito em abril de 2007 para o JC, quando da morte do poeta)



CANTO DE AMOR
E LAMA I

Choveu
e há lama em Santo Amaro
nas ruas
nas casas
vós contornais
eu não
a mim a lama não suja
em mim há lama não suja
eu sou a lama das chuvas
que caem em Santo Amaro

Vosso Scotch
pode me sujar por dentro
cachaça não
vosso perfume
pode me sujar por fora
suor nunca
porque sou suor
a cachaça e a lama
das chuvas que caem
em Santo Amaro das Salinas


"Luna era possuidor de uma sagacidade incrível. Tendo estudado direito e jornalismo, optou por ser poeta. Não um poeta qualquer, como esses poetas intelectualóides, vazios e medíocres que estão produzindo atualmente (salvo raras excessões…). Não, Luna tinha a poesia correndo nas suas veias, transpirava poesia, suas palavras cortam, possuem sangue.

Teatro da Crueldade em pessoa, muito prazer.” Para além de Artaud, Luna encarnou em sua existência, em seu corpo, a abolição das metáforas (embora as tenha cunhado em versos, imprimiu-as em sua pele), tornando-se ele próprio um íntegro meio-homem, plenamente meio-mariposa. " (excerto de texto de André Raboni, no blog Acerto de Contas)

ECCE HOMO

Saiam da minha frente
matem-se
morram-se
deixem livre
o meu campo de visão

Me entristece conceber
a semelhança que nos une na semente
quem é que pode
ser feliz se vendo gente

Portanto
saiam da minha frente

EPITÁFIO PARA UM
BUROCRATA

Faz da gravata
a forca
a fina veste
é tua mortalha
e teu birô
o teu esquife

Do gabinete ao túmulo
vade retro burocrata



http://www.interpoetica.com/erickson_luna.htm

http://acertodecontas.blog.br/atualidades/do-moco-e-do-bebado-luna/

http://pordetrasdamalhafina.blogspot.com/2007/04/erickson-luna.html




marcus.
profundamente identificado com a afirmação (título) de Luna (e com tanto mais):
”Quem tem que comandar nossa vida é nossa cabeça, o corpo que se vire para ir atrás”.

saramago, "morri", "ressuscitei" nove horas depois.

Um ano depois


Dezembro 24, 2008 by José Saramago


“Morri” na noite de 22 de Dezembro de 2007, às quatro horas da madrugada, para “ressuscitar” só nove horas depois. Um colapso orgânico total, uma paragem das funções do corpo, levaram-me ao último limiar da vida, lá onde já é tarde de mais para despedidas. Não recordo nada. Pilar estava ali, estava também Maria, minha cunhada, uma e outra diante de um corpo inerte, abandonado de todas as forças e donde o espírito parecia ter-se ausentado, que mais tinha já de irremediável cadáver que de ser vivente. São elas que me contam hoje o que foram aquelas horas. Ana, a minha neta, chegou na tarde do mesmo dia, Violante no seguinte. O pai e avô ainda era como a pálida chama de uma vela que ameaçasse extinguir-se ao sopro da sua própria respiração. Soube depois que o meu corpo seria exposto na biblioteca, rodeado de livros e, digamo-lo assim, outras flores. Escapei. Um ano de recuperação, lenta, lentíssima como me avisaram os médicos que teria de ser, devolveu-me a saúde, a energia, a agilidade do pensamento, devolveu-me também esse remédio universal que é o trabalho. Em direcção, não à morte, mas à vida, fiz a minha própria “Viagem do Elefante”, e aqui estou. Para vos servir.






texto extraído do "caderno de saramago" (http://caderno.josesaramago.org), postagem do dia de hoje.
fiquei impressionado com os fatos, com a maneira que os comunicou e também com a velocidade de informação da internet, com tudo.
ultimamente tenho percebido o absurdo das coisas de maneira mais profunda, mais constante.
o absurdo que é estar vivo, pensar, perceber o absurdo.
tudo.
tudo já não é nada, pelo contrário, é tanto, é tanto tudo.
e é demasiado absurdo, e o quero. o busco. o encontro. o vivo.
absurdos não são mais tratados como absurdos, e sim como o que simplesmente "é".
saramago parece sentir o mesmo.







marcus.
no absurdo.

frusciante´s new record - the empyrean

Elogio ao grande musico (e poeta, sim) John Frusciante.

Blog - http://johnfrusciante.com/
Espaço musical - http://www.myspace.com/johnfrusciantemusic

"The Empyrean is a story that has no action in the physical world. It all takes place in one persons mind throughout his life. The only other character is someone who does not live in the physical world but is inside it, in the sense that he exists in peoples minds. The mind is the only place that anything can be truly said to exist. The outside world is only known to us as it appears within us by the testament of our senses. The imagination is the most real world that we know because we each know it first hand. Seeing our ideas take form is like being able to see the sun come into being. We have no equivelent to the purity of that in our account of the outside world. The outer world appears to each of us as one thing and it is always also a multitude of others. Inside to outside and outside to inside are neverending. Trying and giving up are a form of breathing."

- John



apesar do novo álbum sair apenas no dia 20 de janeiro seguinte, já existe uma música solta na internet, http://www.youtube.com/watch?v=ZZnu1696XgY.



Unreachable:

Are we
Down for the same cause?
We don't know what we stand for
When the moments start to crack
You do lose track where your head's at

I am unreachable
What do you think when your head's full?
We don't rely on what we get
We begin now where we aren't yet
Ay!

One time, hit me where I turn white
I don't mean to be polite
Uniformed, spinnin in the world to the beat of my drums
Uniformed...

One time, hit me where I turn white
I don't mean to be polite
Uniformed, spinnin in the world to the beat of my drums
Uniformed...

Reach into the darkness for what you can find
Travel great distance in your mind
The world gets stronger as you start tryin things
Turn around towards me and walk away from dying

I've run out again this, the one on my side
Were we to disappear, well, I know I've tried
You know we've tried, you know we've tried
Heyyy, shoot me
Heyyy, shoot me
Shoot me, shoot me
Hey...

Ohhhh







grande john...
merci.






marcus.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O Cigarro de Oscar Wilde






"O cigarro é o protótipo perfeito do prazer perfeito. É delicioso e ao mesmo tempo nos deixa insatisfeitos. Que mais se pode querer?"

Oscar Wilde

marcus.

Os Seres (Antonin Artaud)

mais um pra série Artaud.








[OS SERES… ]


"Os seres
não saem
para o dia exterior
só têm a força
de resplandecer
na noite subterrânea
onde se fazem.


Mas desde eternidades
passamo seu tempo
e o tempo
a fazer-se
e nem um só chegou
assim
a manifestar-se.

Vai ser preciso esperar que
a mão do Homem
os prenda e consuma
porque só
o Homem
inato e predestinado
tem
esta temível
e
inefável
capacidade:

Fazer o corpo humano sair
para a luz da natureza
mergulhá-lo vivo
no clarão da natureza
onde o sol acabará enfim
por desposá-lo."

Antonin Artaud



marcus.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Mark Rothko







Pintor do expressionismo abstrato à quem muito admiro. Nascido na Rússia em 1903, imigrou para os Estados Unidos onde fez sua carreira como artista. Olhar para uma pintura de Rothko é como olhar para uma fronteira do universo, onde ser se faz não-ser e luz se faz vácuo. São pinturas capazes de comunicar o “quase”-incomunicável em seu jogo sutil de forma e cor (ou ausência de cor), não se escreve a respeito, se abstrai. Suicidou-se em 1970, sua carreira em pleno auge.

Antonin Artaud
















"Quem sou eu?
De onde venho?
Sou Antonin Artaud
e basta que eu o diga
Como só eu o sei dizer
e imediatamente
hão de ver meu corpo
atual,
voar em pedaços
e se juntar
sob dez mil aspectos
diversos.
Um novo corpo
no qual nunca mais
poderão esquecer.

Eu, Antonin Artaud, sou meu filho,
meu pai,
minha mãe,
e eu mesmo.
Eu represento Antonin Artaud!
Estou sempre morto.

Mas um vivo morto,
Um morto vivo.
Sou um morto
Sempre vivo.
A tragédia em cena já não me basta.
Quero transportá-la para minha vida.

Eu represento totalmente a minha vida.

Onde as pessoas procuram criar obras
de arte, eu pretendo mostrar o meu
espírito.
Não concebo uma obra de arte
dissociada da vida.

Eu, o senhor Antonin Artaud,
nascido em Marseille
no dia 4 de setembro de 1896,
eu sou Satã e eu sou Deus,
e pouco me importa a Virgem Maria."






marcus.

Palavras deJosé Saramago, em seu Caderno

Palavras

Dezembro 17, 2008 by José Saramago

Não pode haver conferência de imprensa sem palavras, em geral muitas, algumas vezes demasiadas. Pilar insiste em recomendar-me que dê respostas breves, fórmulas sintéticas capazes de concentrar longos discursos que ali estariam fora de lugar. Tem razão, mas a minha natureza é outra. Penso que cada palavra necessita sempre pelo menos outra que a ajude a explicar-se. A coisa chegou a um ponto tal que, de há tempos a esta parte, passei a antecipar-me às perguntas que supostamente me farão, procedimento facilitado pelo conhecimento prévio que venho acumulando sobre o tipo de assuntos que aos jornalistas mais costumam interessar. O divertido do caso está na liberdade que assumo ao iniciar uma exposição dessas. Sem ter de preocupar-me com os enquadramentos temáticos que cada pergunta específica necessariamente estabeleceria, embora não fosse essa a sua intenção declarada, lanço a primeira palavra, e a segunda, e a terceira, como pássaros a que foi aberta a porta da gaiola, sem saber muito bem, ou não o sabendo de todo, aonde eles me levarão. Falar torna-se então numa aventura, comunicar converte-se na busca metódica de um caminho que leve a quem estiver escutando, tendo sempre presente que nenhuma comunicação é definitiva e instantânea, que muitas vezes é preciso voltar atrás para aclarar o que só sumariamente foi enunciado. Mas o mais interessante em tudo isto é descobrir que o discurso, em lugar de se limitar a iluminar e dar visibilidade ao que eu próprio julgava saber acerca do meu trabalho, acaba invariavelmente por revelar o oculto, o apenas intuído ou pressentido, e que de repente se torna numa evidência insofismável em que sou o primeiro a surpreender-me, como alguém que estava no escuro e acabou de abrir os olhos para uma súbita luz. Enfim, vou aprendendo com as palavras que digo. Eis uma boa conclusão, talvez a melhor, para este discurso. Finalmente breve.

Publicado em O Caderno de Saramago







marcus.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008





saudações ao velho ateu, demasiado lúcido a quem tanto admiro.
aplausos calados e palavras mudas ao blog que ele mantém a partir do pedido de algum familiar mais ligado a rede da internet.
as palavras colocadas lá são de um valor incomensurável.
josé saramago, caderno de josé saramago, http://caderno.josesaramago.org/

lá encontrei isso, na data de ontem:

Borges

Dezembro 15, 2008 by José Saramago

Maria Kodama voltou a Portugal, desta vez para assistir à inauguração de um monumento a Jorge Luis Borges. Havia bastante público no Jardim do Arco do Cego, onde a memória foi implantada. Uma banda filarmónica tocou o hino deArgentina e também, não o hino nacional português, mas o hino da Maria da Fonte, expressão musical da revolução a que foi posto esse nome por alturas de 1846-47 e que ainda hoje continua a ser tocada em cerimónias civis e militares. O monumento é simples, um bloco vertical de granito da melhor qualidade no qual se abre um vão onde uma mão dourada, molde directo da mão direita de Jorge Luis Borges, segura uma caneta. É simples, evocativo, muito preferível a um busto ou uma estátua em que nos cansaríamos a procurar semelhanças. Improvisei umas quantas palavras sobre o autor de Ficções, a quem continuo a considerar como o inventor da literatura virtual, essa sua literatura que parece ter-se desprendido da realidade para melhor revelar os seus invisíveis mistérios. Foi um bom princípio de tarde. E Maria Kodama estava feliz.












marcus.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Poema: A mulher A Fotografia e O silêncio da obra

DOIS ESTUDOS



1
Tu és a antecipação
do último filme que assistirei.
Fazes calar os astros,
os rádios e as multidões na praça plúbica.
Eu te assito imóvel e indiferente.
A cada momento tu te voltas
e lanças no meu encalço
máquinas monstruosas que envenenam reservatórios
sobre os quais ganhaste um domínio de morte.
Trazes encerradas entre os dedos
reservas formidáveis de dinamite
e de fatos diversos.



2.
Tu não representas as 24 horas de um dia,
os fatos diversos,
o livro e o jornal
que leio neste momento.
Tu os completa e os transcendes.
Tu és absolutamente revolucionária e criminosa,
porque sob teu manto
e sob os pássaros de teu chapéu
desconheço a minha rua,
o meu amigo e meu cavalo de sela.




João Cabral de Melo Neto







Quanto insinua a (grande) fotografia! A mim veio dizer sobre a arte muda, e a superação do aplauso.

De Morais

(Praticando a incompreensão Texto II: com Tensão de Grave.)



A VISÃO MUSICAL DE MUNDO

Para aquele que musica o mundo, toda emoção ganha forma sonhada de acordes. E toda emoção sonhada/vivida em acordes é tudo aquilo que também (não) poderia ser dito por ele, sendo transposto por notas, as Suas notas. Para aqueles que não musicam o mundo, mas vive um mundo musicado nos sonhos acordados por emoções de outrem, tornar-se-á cabível assisti-los/ouvi-los assiduamente. Senti-los nos parâmetros dos pensamentos próprios, sem jamais ousar interpretar, o que é o incomensurável incômodo do músico de não conseguir por palavras ministrar suas angústias, falar de suas paixões ou indagar suas próprias opiniões de mundo, esclarecidas para si unicamente no balanço do pendulo emotivo da alma, substanciado no calabouço das notas musicais. A difícil tarefa de mostrar uma canção - falo aqui das que não transmitem ideologias. - é o doloroso saber que de suas emoções arrepiantes - seu real fundamento de musicar - (seja sobre suas músicas, seja sobre sua interpretação das musicas alheias), tornar-se-á para grande maioria apenas embalo ocasional, quando não “platéia” em contemplação por adorno. Aquilo que é feito com muito amor, não é condição de fácil exposição. O talentoso não jorra o seu amor o doando à toa, como queda d’água por cachoeiras à mercê de vislumbres para fotografias. O homem que sente amor e o manifesta por arte, arde de angustia se perceber-se sujeito a critérios reducionistas; ele se omite, e tudo guarda. A incompreensão para o artista desta ótica é forte fonte de inspiração; por ser demasiado dolorosa condição de exorcizar-se no mundo, e um meio de se cumprir, no traquejo com a dor, uma via facilitadora de concentração, exposição.


A música, para o talentoso que silencia seus pensamentos em canalização com o instrumento, vivencia nele a extraterritorialidade atemporal que há no planisfério do mundo (a)tonal, senão da existência em si, como prova maior de que arte nenhuma, nesse lugar, em si existe para o outro. O seu contato de si para o outro se dá no córrego de suas notas através do rio de nada para aquele que puder a este enxergar - aqui metaforizando a condição inapropriada de reprodução da linguagem -. Em oposição, a tradução dos sons por legendas, é, no entanto mais uma tentativa de empirismo do homem e uma atribuição de valor metodológico a, nesse caso, toda construção musical. Por mais eficaz que se faça o método - haverá os que no método estagnarão- a forma sonhada das notas, em gráficos, para aqueles que as realizam como tradução e linguagem momentânea de si não significará nada. Os sons sonhados se desenhados, tornar-se-á textos, se repetitivos, salmos. Mas se linguagem for por emoção do instante uma canção, não haverá necessidade de cálculos. Este espírito de arte não está enclausurado no perpetuar, na postura de anseio de ter sua “fala” por outros corpos, seu texto por outras mãos, seus salmos por outros anciões. Aqui se vê uma cisão da música no artista: como linguagem aos indiferentes à sua condição de arte como status, e linguagem aos que condicionam suas emoções sonhadas aos métodos de gráficos calculados; estes almejam vender-se em sua arte.


Se não pensarmos em tragédias, o amor é o único mecanismo que atinge dois extremos num talentoso: são estes a capacidade de anular ou intensificar alienadamente seu contato com suas “obras”. O talentoso está sempre renascendo de suas próprias invenções, criações. A autocrítica realça-se no impacto da fala pela obra nos sujeitos indiferentes a ela. A sensação de impotência sobre o outro, causa no âmago uma cobrança rígida de superação do que não existe. Não existe, pois o talento musicado consiste no vislumbre do ouvinte que atenta, portanto na coerente impossibilidade de interpretação precisa da emoção da obra, e na não intenção do artista em revelar seu irrevelável - ato nobre de não atribuir a sua arte características terapêuticas, quando na angustiante incompreensão, portanto, no sofrimento, é onde reside sua fonte de obra base. Quando se fala na coerente impossibilidade de interpretação, fala-se do absurdo ato tendencioso humano que é a vontade de capturar o fenômeno, revelar, descobrir, acertar. Nada fixo está revelado numa nota musical. Tudo está aberto às invenções da mente também criadora que observa. A nota musical está, mas e não é de uma mesma forma para todo observador. A arte não é o objeto, é a imagem – aqui possivelmente recriada. Não há acerto de reprodução de imagem no campo das notas em melodia do desejo. Capturá-la é classificá-la, uma determinante incabível.


Aquele que paira no delírio das notas está fadado a um silencioso labirinto pelo arrepio dos tons, por uma linguagem do infinito, e uma sensibilidade que não marca ou transparece origem de sentimentos, e sim lugares de manifestações avulsas.

De Morais

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Quando o Desejo é Gritar

Palavras, cores, sons, inexoravelmente ampliados ao estado de espírito do tudo ou nada, fluindo da mesma fonte, mesma origem. Do mesmo poço de tormento e êxtase que me trouxe a vida e tudo o que nela se possa encontrar. Estou aqui para ser um com aquilo que nome não se pode dar, Estou aqui para abstrair deus nas coisas, deus em mim. Estou aqui para ser o nada feito tudo, feito tudo, feito tuuuuudo. É o roçar do arco nas cordas de um cello, de um contrabaixo, até mesmo de um violino, aquela sonoridade aveludada, da textura da seda, do cobertor, da gota d’água que desliza em minha garganta seca. Tudo o mesmo, o mesmo tudo. Sou hoje um par de olhos, lentamente a piscar. Eles se abrem, se fecham, e sem pressa voltam a se abrir novamente. A luz que perfura minhas retinas aos poucos vai dando espaço ao silêncio visual, e o que os olhos vêem a mente recria, com direito a narrativas e distorções, eis que eu começo a sonhar e sonhando penso estar acordado, mas não.

E as horas se fazem minutos, os minutos se fazem dias e todos eles se põem a escorrer por dentro de minhas narinas, coriza temporal com direito a um lencinho de bolso. Começo então a assoar aquelas pequenas estruturas mesuráveis denominadas relógios, que prepotência de vossas partes em graduar tão friamente o transcorrer de uma dimensão. Meu córtex estupefato melhor aprecia seu estado de teia, mosquiteiro, de rede de pescador, translúcido ao fluxo de uma quase atemporalidade, o agora... Não, não, eu quero dizer O AGORA! Existiria um infinitésimo instante mais atemporal do que... o AGORA? Mal chegou já partiu, já disse adeus e foi embora. Afinal quanto tempo dura esse agora? Hum, parece-me que o agora é tudo o que de fato existe... Eventos passados e a antecipação do que há por vir, isso quem dá forma somos nós... Nós os intangiveis, completos incompletos quando, de fato, a vida está aqui sendo exatamente o que ela é.. e ela É. Tamanha esta sombra, esta luz, sinto-me como um barco sem vela desejando por mais vento, ou até mesmo um micofone, consciente de sua própria voz, se pondo a microfonar.
-
Gilson

terça-feira, 2 de dezembro de 2008







"Enquanto não conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do desespero humano, não teremos o direito de tentar a supressão dos meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero."

antonin artaud






marcus.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

(praticando a incompreensão)



O peso sobre mim é a grama de uma ilusão.

O peso sobre mim
é o leve sobre você.
A voz que me amedronta
é um sopro pra você.
O texto que me arrepia
é loucura pra você.
O cheiro que me enjoa
é uma delícia pra você
O ruído que me agonia
é boa música pra você.
A razão que me desvia
é o caminho errado por você.
O objeto que queimo azul
lê-se amarelo por você.
As fotos-sonhos de minha vida
é papel borrado pra você.
O filme que me angustia
não é lançamento pra você.
A festa que me anima
não é festa por você.
A luz do astro que me guia
é uma religião para você.

Mas a dor de cair no mundo
foi dor pra mim e pra você.
Foi nosso (des)encontro oriundo
de uma breve conclusão.
Foi um cadeado sem chave
sucumbido num permanecer.
Toda uma existência desejada
Amputada em dois corações.
No achar sobre um
que insistirá no outro sempre ser.
Na saudade de um absurdo
que estará sempre para acontecer.

(Sua dor e amor trouxe ao mundo
mais um conto sem conclusão.
Mas não a primeira história dilacerada
em metade de (in)sucessos
e a outra de ilusões.)

sonhores, perdoem a ousadia minha de todo dia.

de morais