terça-feira, 29 de setembro de 2009
O caráter é elíptico (A Ironia é mulher).
Que insulta a forma como me tomas!
Assim digo-te que não me demoro.
Que estou eu já de partida.
Ando me furtando de sofismas.
Tua insistência, minha agonia...
Ante tua disparidade, o meu “aguardo”,
que hoje me põe de soslaio a tua vaidade.
Estive além do silêncio trepidante.
Na observação do teu desejo vacilante,
permiti a minha escuta vasculhar,
quando da tua insatisfação me vi suporte.
E hoje eis como te vejo não-gigante,
a jogar toda saudade nos armários.
A jogar-se como objeto a todo instante,
no agourar-se em paradigmas rechaçados.
Só estou de partida.
Sendo a vontade o aval.
Sendo à vontade, ou à briga.
Sinto que uma estrada me abriga.
Talvez para ser escudo, um embaraço de laços.
Para a batalha de revolver-se de si,
dos sismos, dos outros e do mundo,
talvez fazer dos nervos aço.
Há uma vida que me anima,
já não sou mais o adorno.
E descobri com as raparigas da esquina,
que para toda falta haverá um gozo.
Rodrigo O. De Morais
domingo, 20 de setembro de 2009
Um terceiro deus

Um terceiro deus
By José SaramagoCreio que as teses de Huntington sobre o “choque de civilizações”, atacadas por uns e celebradas por outros aquando do seu aparecimento, mereceriam agora um estudo mais atento e menos apaixonado. Temo-nos habituado à ideia de que a cultura é uma espécie de panaceia universal e de que os intercâmbios culturais são o melhor caminho para a solução dos conflitos. Sou menos optimista. Creio que só uma manifesta e activa vontade de paz poderia abrir a porta a esse fluxo cultural multidireccional, sem ânimo de domínio de qualquer das suas partes. Essa vontade talvez exista por aí, mas não os meios para a concretizar. Cristianismo e islamismo continuam a comportar-se como inconciliáveis irmãos inimigos incapazes de chegar ao desejado pacto de não agressão que talvez trouxesse alguma paz ao mundo. Ora, já que inventámos Deus e Alá, com os desastrosos resultados conhecidos, a solução talvez estivesse em criar um terceiro deus com poderes suficientes para obrigar os impertinentes desavindos a depor as armas e deixar a humanidade em paz. E que depois esse terceiro deus nos fizesse o favor de retirar-se do cenário onde se vem desenrolando a tragédia de um inventor, o homem, escravizado pela sua própria criação, deus. O mais provável, porém, é que isto não tenha remédio e que as civilizações continuem a chocar-se umas com as outras.