"Enquanto não conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do desespero humano, não teremos o direito de tentar a supressão dos meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero."
Antonin Artaud

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Penas Chinesas

Penas chinesas

By José Saramago

Meter uma lagosta viva em água a ferver e cozinhá-la ali é uma velha prática culinária no mundo ocidental. Parece que se a lagosta já for morta para o banho, o sabor final será diferente, para pior. Há também quem diga que a rubicunda cor vermelha com que o crustáceo sai da panela se deve justamente à altíssima temperatura da água. Não sei, falo por ouvir dizer, sou incapaz de estrelar convenientemente um ovo. Um dia vi num documentário como alimentam os frangos, como os matam e destroçam, e pouco me faltou para vomitar. E outro dia, que não se me apagou da memória, li numa revista um artigo sobre a utilidade dos coelhos nas fábricas de cosméticos, ficando a saber que as provas sobre qualquer possível irritação causada pelos ingredientes dos champús se fazem por aplicação directa nos olhos desses animais, segundo o estilo do negregado Dr. Morte, que injectava petróleo no coração das suas vítimas. Agora, uma curta notícia aparecida nos jornais informa-me de que, na China, as penas de aves destinadas a recheio de almofadas de dormir são arrancadas assim mesmo, ao vivo, depois limpas, desinfectadas e exportadas para delícia das sociedades civilizadas que sabem o que é bom e está na moda. Não comento, não vale a pena, estas penas bastam.




imitado por marcus.



Escolho colocar isto, pois venho lendo este pequeno grande livro há alguns dias e tenho me deparado com linhas que me deixam sem conseguir passar a página, penetrando uma corrente de pensamentos internos que formam um ciclo quase labiríntico de idéias, opiniões e questões, enfim.
Aliás, ademais, li o que o amigo de Morais escreveu ontem e me vi quase que dentro dele (por conhecê-lo até onde conheço) percebendo seu labirinto, sua ilha.
Além disto, me remeti também ao último encontro que tive com o amigo Gilson, mais especificamente quando falávamos do aprendizado gerado ou não pelo sofrimento inerente ao tempo, à vida, quando li este aforismo contido no livro do velho Nietzsche (entre tantos outros grandiosos aforismos que este A Gaia Ciência contém).
Enfim, não pretendia me estender em minhas palavras, talvez eu não tenha algo tão definido e fixo sobre tal questão do mal necessário. Porém, deixo o velho alemão colocar algumas opiniões do seu gosto ferino sobre a humanidade e os fenômenos que a acompanham.



aforismo 19,
"O mal - Examinai a vida dos mais fecundos homens e povos e perguntai se uma árvore que deve elevar-se altivamente nos ares pode dispensar o mau tempo e as tempestades; se a hostilidade do exterior e as resistências externas, se todas as espécies de ódio,de inveja, de teimosia, de desconfiança, de dureza, de avareza e de violência não fazem parte das circunstâncias favoráveis, sem as quais nada, nem sequer a virtude, poderia ter um grande crescimento? O veneno que mata as naturezas fracas é um fortificante para as fortes... e por isso nem lhe chama de veneno." (A Gaia Ciência, Friedrich Nietzsche)






marcus.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Tentei. Duas vezes tentei não postar isto que virá abaixo, pelo fato de já ter postado dois textos na data de hoje, mas não consegui.
Vai então o meu fracasso e a vitória de Saramago sobre as idéias, sobre a linguagem e sobre o mundo.


Ateus

By José Saramago

Enfrentemos os factos. Há anos (muitos já), o famoso teólogo suíço Hans Küng escreveu esta verdade: “As religiões nunca serviram para aproximar os seres humanos uns dos outros”. Jamais se disse nada tão verdadeiro. Aqui não se nega (seria absurdo pensá-lo) o direito a adoptar cada um a religião que mais lhe apeteça, desde as mais conhecidas às menos frequentadas, a seguir os seus preceitos ou dogmas (quando os haja), nem sequer se questiona o recurso à fé enquanto justificação suprema e, por definição (como por demais sabemos), cerrada ao raciocínio mais elementar. É mesmo possível que a fé remova montanhas, não há informação de que tal tenha acontecido alguma vez, mas isso nada prova, dado que Deus nunca se dispôs a experimentar os seus poderes nesse tipo de operação geológica. O que, sim, sabemos é que as religiões, não só não aproximam os seres humanos, como vivem, elas, em estado de permanente inimizade mútua, apesar de todas as arengas pseudo-ecuménicas que as conveniências de uns e outros considerem proveitosas por ocasionais e passageiras razões de ordem táctica. As coisas são assim desde que o mundo é mundo e não se vê nenhum caminho por onde possam vir a mudar. Salvo a óbvia ideia de que o planeta seria muito mais pacífico se todos fôssemos ateus. Claro que, sendo a natureza humana isto que é, não nos faltariam outros motivos para todos os desacordos possíveis e imagináveis, mas ficaríamos livres dessa ideia infantil e ridícula de crer que o nosso deus é o melhor de quantos deuses andam por aí e de que o paraíso que nos espera é um hotel de cinco estrelas. E mais, creio que reinventaríamos a filosofia.



Dizemos

By José Saramago

Dizemos aos confusos, Conhece-te a ti mesmo, como se conhecer-se a si mesmo não fosse a quinta e mais difícil operação das aritméticas humanas, dizemos aos abúlicos, Querer é poder, como se as realidades bestiais do mundo não se divertissem a inverter todos os dias a posição relativa dos verbos, dizemos aos indecisos, Começar pelo princípio, como se esse princípio fosse a ponta sempre visível de um fio mal enrolado que bastasse puxar e ir puxando até chegarmos à outra ponta, a do fim, e como se, entre a primeira e a segunda, tivéssemos tido nas mãos uma linha lisa e contínua em que não havia sido preciso desfazer nós nem desenredar emanharados, coisa impossível de acontecer na vida dos novelos, e, se uma outra frase de efeito é permitida, nos novelos da vida.





marcus.

Série: "visita ao dicionário"

Lendo o caderno do José Saramago hoje (pra ser mais preciso, há dois minutos), me deparei com mais um motivo para a série visita ao dicionário, que parece sempre se estender.

. abúlico
adj.,
que tem abulia ou falta de volição.

E se estende:


. abulia

do Gr. aboulia < a, priv. + boulé, vontade


s. f.,
doença caracterizada pela ausência ou enfraquecimento da vontade.


. volição

do Lat. bárb. volitione


s. f.,
acto pelo qual se determina a vontade.


Sobre o convite à amiga Romenia Moura


Apesar de Romenia já saber sobre a existência e sobre o intuito do blog, fiz mais um convite "formalizando" e intensificando a minha vontade de compartilhamento das idéias expostas no peixebola por nós para com ela.
Queria deixar registrado aqui sua resposta ao meu convite, via e-mail:

"Fico lisonjeada pelo convite, realmente desejo sentir tudo que você e os meninos exprimem neste mundo virtual (prefiro não usar o termo blog). Enfim, estarei sempre por visitar vocês além do mundo "real". E pelos comentários, sempre estarei satisfeita por realizá-los para compatilhar à respeito de fontes que nos nutrem."

Então retruquei:

"Titubeei frações de segundo antes de escrever o termo "blog", pensando sobre toda sua carga e sentido. E, logo ao refletir sobre tal questão, percebi que talvez não queira criar uma carga ainda maior sobre o termo referido, como já criamos a tantos outros. Terminei por acreditar que os "blogs" podem oferecer um mundo bastante vasto e rico dentro do mundo virtual. Ao menos é uma possibilidade que pode seguir alguma alma ou vertente literária, ou sua extensão virtual.
Será um prazer ver teu nome e opiniões por lá, mena.
É uma grande possibilidade de compartilhamento que acontece bem dentro de cada um mesmo, ao ler cada um em seu tempo, escrever sem pretensão nem compromisso algum, apenas pelo prazer do compartilhamento de idéias com os semelhantes mesmo."


A título informativo,
marcus.

Ao amigo Rodrigo de Morais

(Imagem: Vasili Kandinsky)



é amigo,
"ouvi" ou "vi" sobre uma maneira de significar e situar a arte que me apeteceu bastante.
dizia que a arte é toda a tentativa do ser humano de imitar a natureza, o natural.
imitar pela música, imitar pelo verso, imitar pelo desenho, pela pintura, pela escultura, pelas telas. onde esse "toque de natural" teria sido perdido por nós desde a civilização do modo como conhecemos hoje, teríamos perdido o contato direto com a natureza, a ponto de nos colocarmos como indivíduos desconexos da natureza, onde o eu está aqui e a alguns passos está o mundo, a natureza, onde precisamos esticar o braço com muito esforço para sentir um pouco do calor da natureza. e a arte seria tudo isso que o homem faz que o faz sentir por perto novamente de algo ancestral, de algo antigo, do tempo que "éramos" também natureza. e cantar é isso, pintar é isso, sentir é isso. pois sentir é uma arte, das mais refinadas. a sensibilidade, o poder de percepção diferenciado no mundo que vivemos hoje é uma forma de arte, uma forma de buscar o natural dentro de homens como nós, uma maneira de imitar a natureza, de existir em fluxo e em ritmo com ela.
acredito que estaas almas, estes espíritos são "superiores" no melhor sentido, estes sensíveis, estas almas de artistas, estão mais interligados com o que rege as coisas, seja lá o que for, o cosmo, o tempo, o nada, o tudo.
depois li que aristóteles falou sobre isso já no tempo dos gregos, há mais de dois mil anos.
almas não têm idade, não tem tempo.
o espírito ou está frio, congelado, ou está vivo, sensível. e me sinto perceber.
enquanto a maioria apenas se torna máquina, fria, quase sem vida, quase sem espírito.
acredito ser um tipo de nobreza, de nobreza simples, essa que experimentamos, alguns de nós.



marcus de barros.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

série: "visita ao dicionário"

há algum tempo quero dar início a uma série a qual poderia chamar "visita ao dicionário", ou outro termo que exprimisse aquela busca intermitente por conhecer as palavras da nossa língua (e de outras línguas que provoquem interesse). ao ler um texto, um livro, uma poesia, um excerto que seja, sempre visito palavras as quais desconheço o sentido, ou que sou capaz de deduzi-lo, porém não posso afirmar com certeza seu caminho. então, busco um dicionário qualquer, o que está em cima da mesa, na biblioteca, algum "dic virtual" ou algum amigo que o saiba. enfim, sempre numa busca por possibilidade abrangente de expressão e comunicação. aliás, dentro do possível. pois esta comunicação, por mais que completa em si, ainda deixa a desejar, ainda é falha por si própria, incompleta, apesar de bastante útil.
já iniciando com algumas palavras que me apareceram sobre as mãos hoje e que desconhecia-lhes o significado:


. quimérico
adj.
fantástico, fabuloso; utópico; ilusório.

. quimera
s. f.
monstro fabuloso; utopia; ilusão.

. amiúde,
adj.
frequentemente; a breves intervalos; repetida e intensamente.

. atavismo
s. m.
hereditariedade; semelhança com antepassados, por herança genética.


sobre a qual eu não estava certo sobre, porém tinha certa idéia do sentido:

. estóico
do Lat. stoicu < Gr. stoikós, do pórtico

adj.
relativo ao estoicismo;
rígido;
firme;
inabalável;
austero;
impassível;

s. m.
fig. homem austero, severo.


. estoicismo
s. m.
doutrina filosófica de Zenão que pretendia tornar o homem insensível a todos os males físicos e
morais;
austeridade;
firmeza na dor, no sofrimento;
inflexibilidade moral.


sobre as quais busquei significado há algum tempo e que me satisfazem bastante (uma palavra que dentro das palavras é uma a se destacar, aquelas as quais nunca se esquece, uma palavra-musa):

. idiossincrasia
do Gr. idiosygkrasía < ídios, próprio + sýkrasis, constituição, temperamento
s. f.
disposição do temperamento de um indivíduo para sentir, de um modo especial e privativo
dele, a influência de diversos agentes;
reacção individual própria a cada pessoa;

Med.
reacção individual particular, perante um agente terapêutico.

. indelével
adj. 2 gén.

que se não pode apagar;

indestrutível;

inextinguível;

durável.

. inefável
do Lat. ineffabile
adj. 2 gén.

que se não pode exprimir pela palavra;
indizível;

inebriante;

encantador;

delicioso.




marcus.