"Enquanto não conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do desespero humano, não teremos o direito de tentar a supressão dos meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero."
Antonin Artaud

domingo, 25 de abril de 2010

Visita ao dicionário

Para refletir:

sinestesia (DO POETA)
(grego sunaísthesis, -eos, sensação simultânea, percepção simultânea)
s. f.
1. Produção de duas ou mais sensações sob a influência de uma só impressão.
2. Ret. Figura de estilo que combina percepções! de natureza sensorial distinta (ex.: sorriso amargo).

cinestesia (DO ATOR)
(cine- + -estesia)
s. f.
Sensibilidade nos movimentos.

cenestesia (DO SER)
s. f.
Sentimento vago que, independentemente dos sentidos, existe no nosso ser.





Marcus de Barros.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Primeiro há a mudança interna, estrutural, e só depois muda-se a face, a aparência.

.

Algo mudou dentro
em mim.
Como extensão, mudo fora
mundo fora, mudo - de mudar
e mudo - de voz
muito porém, com fala - contradicto
mesmo que seja calada
escrita.
Pode-se gritar pela escrita?
Sim, pode-se. E grito

Algo em mim mudou
forte.

Como extensão, pequena
porém, considerável, relevante
mudo também esta cara - virtual
Mudo de c(ô)r, mudo de c(ó)r
mudo de cara.
A mudança me é cara
é-me cara, não acaba
não pára. Para quê?

Se antes era barba, agora é pele
se antes preto, agora claro
se antes mudo, agora fala
se antes antes, agora agora.
Depois sempre virá, como agora.
Preto outra vez, barba nova longa
pele, cara, agora
mudo - de mudar.

Não à morte deste espaço-pedaço
considerei-a, porém
resisto
e faço viver - vivo. Revisto:
Re-visto.
Pensei até em mudar de nome - o espaço (este)
pedaço: eu
mas nome não muda
o esqueleto continua...
o aço é traço e braço.
Fica, mesmo quando muda.

O movimento, motor da vida
a mudança, condição de existência:
água parada apodrece, fede.
O caos, a desordem, a onda
são necessários ao vivo
o fluxo, o fluxo, uso
mudo - de mudar
tensão, limite: transcendência.
Como a poesia leva a linguagem ao limite
estende, expande, entende
força-a a mudar, eu mesmo faço o mesmo
a mim e ao meu mundo
mudo-de-mudar, não mudo-de-calar
falo, de falar:
Diz-se e vive-se:
mudo.


(Vida longa à poesia!)



ps.: meu maxilar treme...

ps2.: As fotos que ilustram o fundo do título deste espaço - blog - são uma homenagem ao fotógrafo Irving Penn. As personalidades são, respectivamente, da esquerda para a direita: S. J. Perelman, Pablo Picasso, Nadja Auermann, Salvador Dalí e Woody Allen.

ps3.: O Catador (de Manoel de Barros)


"Um homem catava pregos no chão.
Sempre os encontrava deitados de comprido,
ou de lado,
ou de joelhos no chão.
Nunca de ponta.
Assim eles não furam mais – o homem pensava.
Eles não exercem mais a função de pregar.
São patrimônios inúteis da humanidade.
Ganharam o privilégio do abandono.
O homem passava o dia inteiro nessa função de catar pregos enferrujados.
Acho que essa tarefa lhe dava algum estado.
Estado de pessoas que se enfeitam a trapos.
Catar coisas inúteis garante a soberania do Ser.
Garante a soberania de Ser mais do que Ter."

ps4.: Sinto-me um catador; que ganhou os globos oculares e a faculdade da visão há pouco, como que apreciando e gozando das primeiras imagens formadas em suas retinas; como se eu enxergasse apenas há algum tempo... toda minha vontade se expande em direção ao universo da busca do sentido, seja através de imagens ou de sensações/experiências... aliás, ver é a melhor forma de viver. eu vim ver. vamos?



marcus de barros.

Leminski

Deixo-o - ou melhor, ele se deixa - falar por suas próprias palavras. 
Não cabe a mim descrevê-lo, classificá-lo, qualificá-lo... 
Apenas o bebo e o sinto - e mudo dentro e fora...














ICEBERG

Uma poesia ártica,
claro, é isso que eu desejo.
Uma prática pálida,
três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja possível.
Frase, não. Nenhuma.
Uma lira nula,
reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,
a única coisa única.
Mas falo. E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos
(ou enxame de monólogos?).
Sim, inverno, estamos vivos.

(Paulo Leminski)

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moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia

vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia

(Paulo Leminski)

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a chuva vem de cima

correm
como se viesse atrás

(Paulo Leminski)

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ps.: me recordo do Quintana (Mário), quando este diz:


"A Coisa

A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa... e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita."

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marcus de barros.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Aforismos de Secchin

Tive acesso, em minhas leituras, à uma parte da obra desse poeta, ensaísta, crítico, doutor em literatura e professor, Antônio Carlos Secchin.
Aqui, por hora, deixo como referência alguns aforismos de sua autoria.

"A poesia representa a fulguração da desordem, o mau caminho do bom-senso, o sangramento inestancável da linguagem, não prometendo nada além de rituais para deus nenhum."

"A possibilidade de negociar com as palavras as frestas de perturbação e mudança de que elas e nós necessitamos para continuarmos vivos : a isso dá-se o nome de estilo."

"A poesia não pretende ser espelho do caos, hipótese em que tudo, isto é, nada, seria poético."

"Há poetas quase afônicos; de tanto espremerem para expressar alguma coisa, acabam exprimindo coisa alguma."

"A antiordem foi moderna no modernismo; repeti-la ainda hoje, sob a capa da vanguarda, é iludir o leitor, ao dar-lhe o passado de presente."

"O prosaico não é o oposto do poético, e sim do poemático, ou seja, do conjunto de convenções retóricas sobre as quais se estabeleceu o consenso de como um poema deva ser."

"Discurso conseqüente é o que consegue criar um avesso não-simétrico. Então, o contrário de alto passa a ser amarelo, e o sinônimo de escada passa a ser helicóptero."

"Como traduzir no mundo verbal o mundo plástico-visual? O risco é que muitos poetas acabem mudos de tanto ver."

"Se eu já soubesse o que o poema diria, não precisaria escrevê-lo. Escrevo para desaprender o que eu achava que sabia sobre aquilo que me vai sendo ensinado enquanto escrevo."





marcus de barros.