"Enquanto não conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do desespero humano, não teremos o direito de tentar a supressão dos meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero."
Antonin Artaud

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Borges e eu


Borges e eu


"Ao outro, a Borges, é que acontecem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e demoro-me, talvez já mecanicamente, na contemplação do arco de um saguão e da cancela; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo o seu nome num trio de professores ou num dicionário biográfico. Agra­dam-me os relógios de areia, os mapas, a tipografia do século XVIII, as etimologias, o sabor do café e a prosa de Stevenson; o outro comunga dessas preferências, mas de um modo vaidoso que as converte em atribu­tos de um actor. Seria exagerado afirmar que a nossa relação é hostil; eu vivo, eu deixo-me viver, para que Borges possa urdir a sua literatura, e essa literatura justifica-me. Não me custa confessar que conseguiu certas páginas válidas, mas essas páginas não me podem salvar, talvez porque o bom já não seja de alguém, nem sequer do outro, mas da linguagem ou da tradição. Quanto ao mais, estou destinado a perder-me definitivamen­te, e só algum instante de mim poderá sobreviver no outro. Pouco a pouco vou-lhe cedendo tudo, ainda que me conste o seu perverso hábito de falsificar e magnificar. Espinosa entendeu que todas as coisas querem perseverar no seu ser; a pedra eternamente quer ser pedra, e o tigre um tigre. Eu hei-de ficar em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas reconheço-me menos nos seus livros do que em muitos outros ou no laborioso toque de uma viola. Há anos tratei de me livrar dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de Borges e terei de imaginar outras coisas. Assim, a minha vida é uma fuga e tudo perco, tudo é do esquecimento ou do outro.

Não sei qual dos dois escreve esta página."

Jorge Luis Borges





marcus.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Um pintor nos prometeu um quadro.

Agora, em New England, sei que morreu. Senti, como outras vezes, a tristeza de compreender que somos como um sonho. Pensei no homem e nos quadros perdidos. (Só os deuses podem prometer, porque são imortais.) Pensei no lugar prefixado que a tela não ocupará. Pensei depois: se estivesse aí, seria com o tempo uma coisa mais, uma coisa, uma das vaidades ou hábitos da casa; agora é ilimitada, incessante, capaz de qualquer forma e qualquer cor e a ninguém vinculada. Existe de algum modo. Viverá e crescerá como uma música e estará comigo até o fim. Obrigado Jorge Larco.

(Também os homens podem prometer, porque na promessa há algo imortal.)

Jorge Luis Borges.



marcus.



Carta sobre o pensar embriagado: irracionalizar

A voz anterior acorda o corpo para sentir, e já pensando concebe-se mais uma vez o vigor de um espírito em mais um dia enlouquecedor, surgindo à possibilidade de uma permissão à luz de adentrar o “recipiente” lançando força as cores; do ambiente enquanto corpo, espaço, janela de algo mais além da própria estética, do que se apercebe.

Num lugar onde Nada existe a criação consiste em trocadilho de realidade e ilusão - eis essa Luz, difundindo estes dois saberes (realidade e ilusão) em dúplice como conseqüência de reflexões; provocam confusão, são “irracionais” e reais, “extra-lúcidos” pela peculiaridade da desenvoltura individual, e sobrenatural por uma visão matura. Como os sonhos, esse “lugar de inexistências” e fluxos irracionais é uma instancia em mistura paralela de idéias sobre onde realmente se vive e para quê se vive; vendo coisas que não há (sentido). Sentindo onde não se estar, devaneando numa embriagues da vontade de entorpecer o sentido das coisas. Eles, os pensamentos a fundo, provocam uma inteligência-monolito na estúpida existência, em saber confundir, envergar a dita substancialidade - para não dizê-la Realidade, e, sobretudo ainda nisso esquivar todo entendimento racional deixando senão a memória do que foi sentido, como os sonhos revividos da lembrança no lado racional da existência... Eis a virtude da imaginação para todo aquele que irracionaliza: romper, dilacerar, achando por resolver assim a razão precária dos corpos sem luz, e sem nada de fato pretender, sistematizar, teorizar. É apenas “achando” que se pode envergar (a mente), num ato de alto preço que é tornar o outro um ser impermeável, pois os pensamentos do discurso interior embriagado e suas conclusões, são energias de valores intrinsecamente inigualáveis, é a digital da subjetividade individual dificilmente apreendida em discursos. Esse irracionalizar é um outro senso de enlouquecer, enquanto há o desejo da curiosidade de algo conhecer, algo novo e qualquer. Algo dentro da vida dentro de di, e por si “inexistente”... Ousadia! Pois sim, Corpos astutos e felizes são os que não procuram sempre ter as mãos somente o ideal e busca do prazer, degustando então naquilo que frustra, na tentativa do inatingível, outra composição e modelos novos de compreensão, desentendimento e aprofundamento da imaginação sobre as camadas protegidas aos olhos... Superficialmente protegidas, caro leitor. Superficialmente ilusão.

R

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Quanto ao outro

Quanto do ser está para outro, honestamente como absorção de uma outra imagem interior Distinta a si? Como uma “situação em conjunto”, o exacerbado auto-referencial que é detido único e arrogantemente no desejo de uma “extensão pessoal” em complemento de vontades próprias, poderá vingar uma relação de troca lúcida e saudável nessa “atuação mercenária” de egos a qual flutuamos?
Somente no conceito da auto-superação; na capacidade de fugir o espírito do corpo, o espírito, da estética – entendendo espírito aqui como momento superior da interpretação*; que se desloca de sua excessiva centralidade referencial, podendo assim observar o outro pelo estado de uma lucidez em um passo a frente de imparcialidade, pondo abaixo uma cadeia de julgamentos desnecessários. Desnecessário sim, pois, o que falta em si que faz com que esse outro incomode? O incomodo já é um estado de irritabilidade no ser. O ser em superação procurará entender seus vazios, ou buracos, e mesmo sem nada entender, contornar eventos, sendo ele o próprio autor de seus curativos, sem esperar, ou cobrar justificando no outro suas inquietações interiores, inquietações de elaborações do espírito* fragilizadas, abaladas, aos mofos até. Este é o “homem em vigília”, que se embriaga, e se contradiz, contendo e reformulando em si, cuspindo ao mundo por ferramentas das manifestações emotivas - se artista, seus traumas e ressentimentos, sem dar extrema relevância as conjecturas alheias possíveis às interpretações conseguintes de sua performance enquanto existente espírito de lucidez; sendo este aquele que busca a clareza de seu entendimento, estendendo sua chama em qualquer túnel sem luz. O ser em superação vai além de seus incômodos buscando Luz verdadeira, na luz dos céus, ou dos espíritos afins; seu real lugar de estar, "dobrando" sua náusea, "irritando-se" sobre um excessivo embelezar natural. A superior interação e possível real lúcida interpretação-limpa da situação em conjunto constatar-se-á na vontade do homem em si, romper de seu corpo tal espírito*, rebaixando o eu-narciso, tornando-se lucidamente seguro em ver o outro, num além dos seus sentidos que fará dos olhos e ouvidos uma integridade superior da absorção; unicamente Desejo. Configurando o outro então como “ser distinto”. Chegando a um outro estado de realidade, em uma igualdade de espírito em comunhão onde não há necessidade de mudar outrem, evitando-se assim a defasada embriagues de presumir seu auto-referencial um paradigma. A vontade de repetir-se e continuar no outro é estado de tolice. Tudo isso na ordem da “relação de identidade”, relação de natureza, relação em conjunto, situação social, observação dos espaços; numa sala de estar, cafeteria ou bar. Mais que isso é clínica.

R















Na foto: A beleza no Dark

sexta-feira, 6 de junho de 2008

O ser humano vivo é o ser da solidão... Mesmo a exemplo da comunhão, à interação substancial não totaliza uma intensidade que existe em si quando expressamo-nos por ferramentas da “manifestação” emotiva que dispomos. Para tal eu digo apenas que NÃO... O sexo, a falácia, a arte, a escrita, manifestações mutua de intensidades imanentes, jamais serão coerente nas relações ao nível de energia que cada ser em si se apercebe sobre suas emoções, seus desejos, em suas limitações. Talvez por isso que se traia. Coerentemente se traia ao preço de uma busca e constructo fruto da existência interativa, ou por minhas próprias palavras: o ato da “afetuose circular”. O mínimo de empatia no homem é a ponta contraditória dessa negação, o aspecto otimista. Algo muito saudável que viabiliza interagir dando margem e possibilidade à incompreensão, que gera insatisfação, angustia, e novas manifestações; quando assim se tem força e não se adoece. Este viés de Solidão está na visão e silencio de cada olho voltado ao mundo, cada eu em si, como depositante de energias a coisas vigentes: na força do agir mais simples até seu ápice conotativo. O ato de negação à inata absoluta “incompletude” dessa afetuose circular afirma a existência doentia e fragilizada dessa “Solidão inautentica”, onde o ser em seu isolamento necessita do espelho, seja o objeto ou o outro, apenas como vislumbre de suas “superfícies” em cegueira a seus destroços inutilizados pela força das imposições padrão circunspecta ao seu meio em toda uma existência idealizada sobre o princípio da busca do constante prazer aos moldes de uma estagnação do "real espírito de valor": aquele que sangra constantemente, e prossegue, supera-se. É preciso se perceber e saber “solidar” em conflitos com as frustrações ante os "objetos energizados", para assim organizá-los, ou seja, aquilo que se foi depositado nessa afetuose circular ser então maleável. E como premissa não se deve esquivar da relação sujeito e tempo, somos sujeito do/para o tempo, somos "parto eterno". Assim ocorre as mudanças das causas afetadas, afetivas, subjetivadas, insidiosas, como superação do já corpo-dejecto desse homem, jogando-se para fora no tempo e observando os espaços, na prática do seu inverso, de seu sentido contraditório.

Na fotografia: o ato do sujeito da Solidão vivo, num momento de afetuose circular.




















R