"Enquanto não conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do desespero humano, não teremos o direito de tentar a supressão dos meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero."
Antonin Artaud

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

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Olhos de Serpente (Dangerous Game - Abel Ferrara, 1993)

Olhos de Serpente (Dangerous Game – Abel Ferrara, 1993)

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David Lynch trabalha a loucura no universo de feitura cinematográfica hollywoodiano em seu último e mais complexo filme, o imprevisível Império dos Sonhos, mas o conceito de indissolubilidade de filme-dentro-de-filme utilizado pelo mestre do neosurrealismo tem alguns registros anteriores ainda mais interessantes. O principal deles, e talvez, junto de Cidade dos Sonhos (também do Lynch), o melhor trabalho feito sob essa técnica de baixa aceitação fora de certos círculos restritos de adoradores fanáticos, é este Olhos de Serpente, um dos grandes filmes do mestre maior do cinema contemporâneo, Abel Ferrara.

Mas é claro que Ferrara e Lynch nada têm em comum como cineastas, a não ser a própria adoração por técnicas de menor espaço nessa formatação atual de cinema – ressalto aqui nenhum sentido pejorativo. Enquanto Lynch brinca com as inúmeras possibilidades narrativas que seu material lhe empresta, Ferrara gosta de fazer de cada imagem fotografada – independente de sua função na montagem da seqüência – um mistério tão grande ou maior do que a própria idéia geral dos filmes, colocando no pacote ainda a sacanagem ininterrupta que compreende a real origem das imagens (tanto que sempre são projetadas a partir de mídias das mais variadas).

A tenuidade da imagem no cinema de Ferrara é responsável por transformar seu melhor filme (ou pelo menos o meu preferido, mas que muitos apontam incompreensivelmente como um de seus piores), New Rose Hotel, num dos filmes mais charmosos e intrigantes já feitos, e acaba sendo também o grande atrativo deste Olhos de Serpente, que retoma o paradoxo apresentado anteriormente no sensacional Vício Frenético e que de certa forma resume em prática a temática de toda sua filmografia: os limites da moral e da fé católica e dos vícios (representantes genuínos de bem e mal na consciência humana), além da relação entre vida e arte, também bastante estudada pelo cinema ao longo de sua existência – o que me lembra aquele momento fantástico de Maria, quando o personagem de Modine defende seu filme na sala de projeção numa clara idéia de fé sendo construída através da arte (no caso, da sua própria).

A grande diferença de Olhos de Serpente em relação ao seu meio-irmão policial, também protagonizado por um dos maiores xodós do diretor, Harvey Keitel (duas atuações impecáveis, por sinal), além obviamente do universo em que se desenvolvem (um a Nova York suja dos guetos; o outro Hollywood, mas totalmente desglamourizada), fica por conta da estrutura. Vício Frenético mantém o foco sempre na relação interpessoal do protagonista e sua busca pela redenção em meio a uma rotina de vícios. Olhos de Serpente, embora também seja sobre o personagem de Keitel, desvia a todo o momento sua origem, concentrando muito de suas ações nos personagens do filme que está sendo rodado (pode-se dizer que metade do filme é o próprio filme-dentro-do-filme, que ganha vida própria dentro da narrativa e tudo mais), mas sem deixar de falar do protagonista.

O recurso acaba permitindo a Ferrara a liberdade de viajar na relação entre obra e realizador, e a maneira como essa relação aos poucos é apresentada deixa algumas seqüências com uma intensidade inenarrável, em especial nos principais momentos desse clareamento de idéias sobre a própria origem das idéias do protagonista – do filme de Ferrara, não do filme de Keitel – para seu trabalho. E saber que esse limite entre a vida e a arte alcança um ponto de fusão tão indissolúvel durante o decorrer de Olhos de Serpente só transforma a experiência em uma das mais torturantes armações de Ferrara, que consegue imprimir tanta força nos momentos de ficção dentro do filme (a atuação de Madonna não tem como não ser lembrada) que faz dessa jornada infernal um dos momentos mais críveis de sua carreira.

4/4

Daniel Dalpizzolo

ou: Olhos de Serpente (Abel Ferrara, 1993) – Vinícius Laurindo – 4/4



***

postagem copiada também sem conhecimento do autor (http://multiplot.wordpress.com/2008/06/03/olhos-de-serpente-abel-ferrara-1994/).

vale a informação.

marcus.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A guerra do fogo (la guerre du feu)


A Guerra do Fogo (La Guerre du feu, 81, FRA/CAN)
Dir.: Jean-Jacques Annaud. Com: Everett McGill, Rae Dawn Chong, Ron Perlman, Nameer El Kadi.

por Rodrigo Cunha


Um dos temas que envolvem a discussão sobre a naturalidade da linguagem falada é o que versa sobre a sua origem. O filme A Guerra do Fogo, de Jean-Jacques Annaud, é uma interessante especulação a esse respeito, e ajuda a refletir sobre a questão.

O filme trata de dois grupos de hominídios pré-históricos: um que cultuava o fogo como algo sobrenatural e outro que dominava a tecnologia de fazer o fogo. Em termos de linguagem, o primeiro não está muito longe dos demais primatas, emitindo gritos e grunhidos quase na totalidade vocálicos. Esse tipo de comunicação assemelha-se ao que Rousseau considera, em seu Ensaio sobre a origem das línguas, como a primeira manifestação de linguagem no homem, que é a expressão de suas paixões, como a dor e o prazer. Já o segundo grupo parece ter uma comunicação mais complexa, com maior número de sons articulados. Há outros elementos culturais, como habitações e ritos, que denotam um maior grau de complexidade do segundo grupo com relação ao primeiro.

No que concerne apenas à questão da linguagem, uma possível interpretação seria a seguinte: em um determinado estágio de sua evolução biológica, o homem, já se locomovendo como bípede e tendo suas mãos livres, aprendeu a manipular instrumentos, a interferir no seu meio e a fazer, dentre outras coisas, o fogo. A necessidade de preservação desse conhecimento, dessa tecnologia, levou-o a sofisticar a sua capacidade de comunicação. A princípio, sua linguagem pode ter sido meramente gestual, mas ele descobriu que os sons também poderiam se prestar a essa função.

Assim como, ao tornar-se Homo Erectus viu-se com as mãos livres (antes usadas principalmente na locomoção) e descobriu que poderia usá-las para manipular as coisas; assim como, ao tornar-se Homo Sapiens descobriu que poderia usar essa capacidade de manipulação para interferir no seu meio; da mesma forma, descobriu que os órgãos utilizados para funções vitais como a respiração e a digestão, também serviam para emitir sons. A partir do momento em que aprendeu a diversificar os sons através das articulações, conseguiu aumentar as possibilidades de combinação entre eles. Uma vez estabelecidas determinadas convenções entre os seus semelhantes, possibilitou-se a troca de informações (como a tecnologia de fazer o fogo) de um indivíduo para o outro.

A sofisticação da linguagem serviu para facilitar a comunicação de uma informação complexa, talvez não expressável meramente pelo gesto. Portanto, como diria o pai da Linguística Moderna, Ferdinand de Saussure, "não é a linguagem que é natural ao homem, mas a faculdade de construir uma língua, vale dizer: um sistema de signos distintos correspondentes a idéias distintas".

As divagações acima são apenas leituras possíveis do interessante filme de Annaud. E os indícios lingüisticos (a distinção entre a linguagem de uma tribo e de outra) foram pensados pelo foneticista Anthony Burgess, que assina o roteiro. Burgess ficou conhecido pelo livro Laranja Mecância, que foi adaptado para o cinema por Stanley Kubrick.

A Guerra do Fogo, com roteiro de Burgess e direção de Annaud, pode ser monótono e cansativo para quem não tem curiosidade pelo tema. Mas aqueles que se interessam não só pela origem da linguagem, mas pelas raízes da espécie humana e pelo florescer da razão e das tecnologias, irá apreciar o filme.



A resenha foi copiada sem permissão do site>: http://www.comciencia.br/resenhas/guerradofogo.htm


marcus.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Tropicália

Post roubado sem permissão concedida pelo autor do site http://jeocaz.wordpress.com/2009/02/16/tropicalia-ou-panis-et-circencis-o-album-manifesto/

TROPICÁLIA OU PANIS ET CIRCENCIS - O ÁLBUM MANIFESTO


O movimento da Tropicália teve a sua origem sustentada por quatro marcos inaugurais, todos acontecidos em 1967: a exposição “Tropicália, manifestação ambiental, de Hélio Oiticica, no MAM do Rio de Janeiro, em abril; a estréia do filme "Terra em Transe”, de Glauber Rocha, em maio; a estréia da peça “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, encenada em setembro pelo Grupo Oficina, sob a direção de José Celso Martinez Corrêa e, as participações de Caetano Veloso e Gilberto Gil no III Festival da Record, em outubro, interpretando respectivamente “Alegria, Alegria” e “Domingo no Parque”, que traziam uma nova linguagem e inaugurava a guitarra elétrica na MPB.
Se na arte o movimento tropicalista reflete uma transformação essencial nos critérios de produção e no consumo das obras de arte, situando o artista no mundo e, principalmente, no Brasil, na música é a síntese da poesia, a alegorização e carnavalização de um Brasil culturalmente indomável, delimitando as tênues tendências da MPB, mesclando Bossa Nova e canções folclóricas, a contestação social e a cafonice, o candomblé e o catolicismo.
Se nas outras esferas artísticas os manifestos da Tropicália (“Tropicália”, de Helio Oiticica nas artes plásticas, “Terra em Transe” de Glauber Rocha no cinema, “Pan América” livro de José Agripino de Paula na literatura) eram uma realidade, faltava um manifesto contundente na MPB. Este manifesto foi elaborado em maio de 1968, quando foi gravado “Tropicália ou Panis et Circencis”, um álbum histórico, que reunia as vozes de Caetano Veloso, Gal Costa, Nara Leão, Gilberto Gil e Os Mutantes, associadas à poesia de Torquato Neto e de Capinam, ao som de Tom Zé e à genial regência musical de Rogério Duprat.
Doze canções sem ligações estéticas, mas arrematados em um repertório feito para traduzir o movimento tropicalista sonoramente, deram um tom de contestação jamais visto, mostrando músicas que se fincaram no âmago da MPB, como a urbana “Baby”. Doze canções e estava registrado um dos mais geniais álbuns da MPB, amado ou odiado, mas jamais um consenso. Era a voz da Tropicália a ecoar pelos quatro cantos do Brasil pré-AI 5.

A Mítica Fotografia da Capa do Álbum


Quando Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nara Leão, Gal Costa, Torquato Neto, Capinam, Guilherme Araújo, Os Mutantes, Júlio Medaglia e Tom Zé juntaram-se para a gravação de um disco, era a concretização de um novo estilo de música que se fazia no Brasil, adquirindo a visibilidade de um manifesto musical.
A irreverência começa pela capa do álbum. Elaborada pelo artista plástico Rubens Gerchman, sob fotografia de Oliver Perroy, a imagem final, feita na casa do fotógrafo, teve nos adereços alegóricos uma criação coletiva, com todos os envolvidos opinando.
Imaginada como uma paródia do álbum dos Beatles, “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, a capa adquiriu um formato final do underground tropicalista, coberta de alegorias do Brasil. Se percorrermos um olhar rápido, encontramos o grupo à maneira dos retratos patriarcais tradicionais. Caetano Veloso aparece ladeado pelos Mutantes (Sérgio Dias, Rita Lee e Arnaldo Batista), que trazem uma expressão séria e carrancuda, empunhando as guitarras, símbolos de uma nova musicalidade. O baiano, de olhar atrevido e cabeleira a tomar conta, traz na mão o retrato de Nara Leão, que participa do disco, mas não da fotografia da capa. Na extrema direita dos Mutantes aparece Tom Zé, de terno e mala de couro na mão, representando a alegoria da migração nordestina. Sentados lado a lado, aparecem Rogério Duprat, que segura um penico na mão, como se segurasse uma xícara, significa Duchamp; Gal Costa e Torquato Neto, ela com penteado modesto, ele com uma boina, ambos representam o casal recatado do interior. Finalmente, à frente de todos, está um ostensivo Gilberto Gil vestido de toga com cores tropicais, segurando o retrato da formatura do curso normal de Capinam.
Feito o retrato, ele é emoldurado por faixas compostas pelas cores nacionais, verde, azul e amarelo, dando a brasilidade necessária à arte final.
Após visitarmos a emblemática fotografia, vamos encontrar na contra capa do álbum o texto de um suposto roteiro cinematográfico feito por Caetano Veloso, em que as personagens são os próprios tropicalistas a travarem um diálogo irreverente e sem nexo. No diálogo surgem Celly Campelo, João Gilberto e Pixinguinha, entre muitas referências dissonantes.

Da Cafonice à Alegoria do Brasil


Gravado em maio de 1968, o disco seria lançado entre julho e agosto daquele ano. Seguindo a concepção de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, a estrutura musical é o de uma polifonia, ou longa suíte, as faixas sucedem-se sem haver interrupções, com a abertura recapitulada no final. Cada canção funciona como se dialogasse uma com a outra, mesclando no final uma metáfora alegórica do Brasil. O seu protesto como mensagem é comportamental, não politicamente engajado em movimentos da época, não há a demarcação lírica da Bossa Nova, muito menos o protesto épico das músicas contra o sistema político vigente e à opressão da ditadura instaurada.
O álbum inicia-se com a faixa “Miserere Nóbis” (Gilberto Gil – Capinam), interpretada por Gilberto Gil. O intróito traz um solo de órgão de igreja com o tilintar de pequenos sinos, que dão passagem para o violão, perdendo-se do sacro inicial ao profano épico da voz de Gilberto Gil. A canção é quase arrancada de um momento de silêncio, se não traz o protesto contundente e declarado das músicas de Geraldo Vandré, está longe de não ser uma crítica à força bruta imposta pela ditadura militar. O cantor assume um canto em ritmo de marcha militar, repetindo a invocação “É no sempre será, ó iaiá / É no sempre serão” ao final de cada estrofe, numa metáfora ao imobilismo da situação política vivida e de nele intervir. A canção termina com tiros de canhão abafados, silenciando o protesto.

A cafonice, diluída nos arranjos inovadores de várias canções, escancara-se na segunda faixa, “Coração Materno” (Vicente Celestino). A música considerada de mau gosto por muitos críticos, contrasta com a modernidade do som genuíno que trazia a Tropicália, realçada em “Baby”. Aqui a musicalidade do Brasil rural era cantada por Caetano Veloso. O arranjo de Rogério Duprat confunde-se com a versão original de Vicente Celestino, assim como a própria interpretação de Caetano Veloso. Inicia-se com violoncelos e tons graves, em um clima de opereta dramática. Em tom intimista, sempre apontando para o ápice dramático, Caetano Veloso não perde o lirismo emprestado pela orquestra. Ao contrário do que disseram os puritanos defensores da Tropicália, para minimizar o preconceito dos críticos contra a música, Caetano Veloso não escolheu esta canção como uma paródia e para ressaltar o grotesco de uma música tida como representante da expressão rural brasileira, mas sim como uma homenagem a Vicente Celestino. Caetano Veloso gosta da canção, tanto que voltaria a cantá-la no erudito recital que deu em homenagem a Federico Fellini e Giulietta Masina, em 1999, na Itália, registrado no álbum “Omaggio a Federico e Giulietta”. Aqui, um amadurecido Caetano Veloso volta às origens, dando um aspecto de trova medieval à canção de Vicente Celestino.
A proposta tropicalista começa a esquentar na terceira faixa, “Panis et Circencis” (Gilberto Gil – Caetano Veloso), interpretada pelo grupo Os Mutantes. A letra da canção sugere a ruptura entre o cotidiano secular e o desejo de liberdade, o contraste entre o nascer e o morrer, não só dos costumes e tradições, como dos sonhos e das utopias juvenis. Gilberto Gil e Caetano Veloso criam aqui um prelúdio do que seria a parceria dos dois que culminaria com “Divino, Maravilhoso”. Os costumes estão presos na sala de jantar, assim como a passagem para a liberdade que se quer fazer alcançar. A canção inicia-se com o coro da banda, em uma estrutura harmônica com uma sutil dissonância. Por fim a canção evolui para o psicodelismo absoluto. De repetente a música é interrompida, sendo recriado um jantar, ouve-se vozes à mesa, ruídos de talheres e a valsa “Danúbio Azul” ao fundo. O psicodelismo é crescente, com ruídos de copos a espatifarem-se, numa metáfora do rompimento com os costumes. A música encerra-se com um corte súbito. Sua eternidade na MPB atingiria vários intérpretes ao longo das quatro décadas que se passaram desde o seu lançamento. Mas nenhuma interpretação alcançaria o clima que esta versão original de Os Mutantes alcançou.
“Lindonéia” (Gilberto Gil – Caetano Veloso), é uma canção feita pelos tropicalistas para a musa da Bossa Nova, Nara Leão. A voz contida e educada de Nara Leão traz o resquício suave da Bossa Nova, em contraste com este bolero melancólico, inspirado em um quadro de Rubens Gerchman, “Lindonéia, a Gioconda do Subúrbio”. Nara Leão empresta a delicadeza da sua voz aos sonhos românticos de uma jovem do subúrbio, solteira, empregada doméstica, que se deixa embalar pelas fotonovelas que lê, pelo rádio que ouve e pela televisão que vê. As imagens violentas da letra sobrepõem-se ao sentimentalismo romântico que sugere a personagem. No mundo de Lindonéia não há alternativas, há um labirinto onírico de uma fuga da realidade e de um mundo cruelmente claustrófobo. Um dos grandes momentos do álbum.
“Parque Industrial” (Tom Zé), continua a temática do urbanismo cubista do tropicalismo. É interpretada por Gilberto Gil, Gal Costa, Caetano Veloso e Os Mutantes. A inspiração do título é de um livro homônimo de Patrícia Galvão, a Pagu, escritora modernista e agitadora cultural das décadas de 1920 e 1930. A letra é uma crítica ao ufanismo do desenvolvimento e aos fantoches por ele gerado, em um discurso de deboche e ironia típicos do universo mimetizado da canção de Tom Zé, um redemoinho na poeira da natureza urbanizada. A canção inicia com metais a reproduzir os timbres de uma banda de coreto. Intervêm as vozes de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Gal Costa separadamente, até que entra Tom Zé a trazer uma entonação ufanista. O refrão “Made in Brazil” realça o tom de paródia da canção, que mescla o que se vem de fora com o que se tem dentro do país. A música é uma sátira tenaz do Brasil que se fazia na época. Talvez “Parque Industrial” seja a única canção do álbum que deixou um leve trave de datada.
Concebido nos moldes dos LPs, o álbum chega ao final do lado A com “Geléia Geral” (Torquato Neto – Gilberto Gil). Esta música, ao lado de “Parque Industrial”, formava o núcleo das canções panfletárias do disco. Se em “Parque Industrial” há uma sátira do Brasil, “Geléia Geral” traz um retrato alegórico do país. É a canção matriz da Tropicália, a canção que resume toda a proposta do disco, mostrando a raiz do seu manifesto, é a porta-voz do movimento.
Aqui todas as propostas musicais são condensadas, arrematando o repertório do álbum, sintetizando a sua proposta. Na interpretação magnífica de Gilberto Gil, o Brasil vai desfilando pela canção, trazendo os seus ícones e relíquias de uma cultura pulsante: o bumba-meu-boi, a doce mulata malvada, Oswald de Andrade, a “Carolina” de Chico Buarque. Numa certa altura, Gilberto Gil canta “Tropicália, bananas ao vento”, definindo sinteticamente o que é o movimento. A canção termina com um acorde citando a introdução de “Disparada”, de Geraldo Vandré, numa tentativa sutil de conciliação dos tropicalistas com o seu maior opositor e com um breve flerte com a canção de protesto. Encerra-se a primeira parte do manifesto musical.

Concretismo e Sincretismo Lado a Lado


A segunda parte do disco inicia-se com aquela que se tornaria a sua canção mais conhecida, “Baby” (Caetano Veloso), miticamente interpretada por Gal Costa. A canção tinha sido feita para Maria Bethânia interpretar, mas a irmã de Caetano Veloso não quis envolvimento direto com o movimento tropicalista, recusando a canção. Gal Costa, que se apaixonou de imediato pela beleza de “Baby”, agarrou a oportunidade com a sua voz de cristal límpido, garantido o maior sucesso do álbum e despontando nas paradas de todo Brasil, consolidando de vez a sua carreira e obtendo o passaporte para vir a ser a musa da Tropicália. O lirismo de “Baby” confronta-se com o dia a dia econômico-político e o amor. O amor e romantismo tropicalistas inserem-se nos problemas cotidianos. Não se pode ignorar a economia (“da gasolina”), a cultura e os movimentos à volta (a “Carolina” de Chico Buarque ou “aquela canção do Roberto” Carlos). O mundo é imperialista, o inglês é a sua língua oficial. A palavra “querida” ou “amor” no sentindo de tratamento à pessoa amada é substituída pelo americanismo “baby”. Baixo e percussão anunciam no início, uma balada pop romântica, contrapontos de cordas anunciam o motivo e preparam a voz de Gal Costa, que entra com entonação intimista, numa voz crescida em comparação ao seu primeiro álbum, “Domingo”, de 1967.
“Baby” mudava de vez o conceito das canções românticas, formando uma concepção de suaves metáforas que não separam o homem apaixonado do mundo que o ladeia. A canção aproxima a Jovem Guarda de Roberto Carlos e o mundo do samba influenciado por Noel Rosa do Chico Buarque do início da sua carreira. Mesmo a esquerda radical, que preferia aprender russo ao inglês imperialista, não resistiu a “Baby”. A canção termina com a intervenção de Caetano Veloso ao fundo, a cantar “Diana”, balada rock de grande sucesso dos anos 1950, em contraponto com a voz de Gal Costa, que canta o refrão de “Baby”. Esta versão é a mesma que sairia no álbum solo da cantora “Gal Costa” de 1969. “Baby” daria de vez o título a Gal Costa como a maior intérprete de Caetano Veloso.
A segunda parte do álbum terá uma característica menos panfletária e voltada para o sincretismo religioso. “Três Caravelas (Las Tres Carabelas)” (E. Moreu - A. Alguerô Jr. – versão João de Barro), interpretada por Caetano Veloso e Gilberto Gil, é uma canção caribenha que faz uma ode à viagem de Cristóvão Colombo que em 1492, descobriria o continente americano. O refrão cita os nomes das suas caravelas, “La Pinta”, “La Niña” e “La Santa Maria”. Os arranjos de metais anunciam um delicioso mambo. Caetano Veloso entra cantando a letra original, em espanhol, Gilberto Gil entra cantando a versão da canção em português, feita por João de Barro. No final, o refrão, os nomes das naus de Colombo, adquire uma certa entonação religiosa, contrastando com o som do mambo, que se diluí dentro deste sincretismo aparente e dissimulado.
“Enquanto Seu Lobo Não Vem” (Caetano Veloso) é um passeio através de uma floresta escondida que desemboca no concreto da cidade. Em 1968 a esquerda tomou a postura de denunciar a ditadura instalada em 1964, de confrontá-la, tentar derrubá-la sem medo. Para isto elegeu canções de protestos como “Disparada” e “Caminhando”, com uma linguagem mais direta, sem as metáforas tropicalistas. “Enquanto Seu Lobo Não Vem” não deixa de ser uma contestação política, longe de ser alienada como a Tropicália passou a ser vista. Se para a esquerda engajada tomar o poder e acabar com a ditadura militar era a principal meta, para os tropicalistas não o era, para eles as mudanças de comportamento, a revolução sexual, vão adquirindo cada vez mais importância, e, com estas mudanças, aí sim a queda da repressão. Este diálogo entre os tropicalistas e a esquerda tradicional vai se diluindo cada vez mais. No fim do movimento, a psicodelia e o rock absorvem toda a proposta. “Enquanto Seu Lobo Não Vem” é um dos últimos diálogos com engajamento, que se iria romper para sempre quando Caetano Veloso interpretou em um festival a música “É Proibido Proibir”. Interpretada a solo por Caetano Veloso, com vocais de um coro luxuoso formado por Gal Costa e Rita Lee, a canção é um passeio pelas avenidas da ditadura, da força repressiva que se respira no ar. O passeio é interrompido pelas vozes femininas do coro, que estão sempre a repetir “Os clarins da banda militar”. Se este verso assume na canção “Dora” (Dorival Caymmi) uma entrada épica da beleza feminina, aqui ele funciona como um estado perene de alerta e de repressão. A canção inicia-se com a percussão de agogô, sugerindo a tranqüilidade monótona do início do passeio. Há um momento da citação musical da “Internacional”, o hino da revolução comunista, numa alusão clara de que a Tropicália era muito mais do que um movimento de alienados.
Um outro grande momento é a mítica “Mamãe Coragem” (Torquato Neto – Caetano Veloso), interpretada por uma Gal Costa que transita entre o intimismo e a ruptura vocal, que se desaguaria muito em breve nos agudos mais famosos da história da MPB. A canção inicia-se com sirenes de fábricas, mostrando a urbanidade que atrai os jovens de todas as partes, é a ruptura da inocência familiar dos jovens, sua ânsia em descobrir o mundo, de tomar para si uma vida repleta de perigos e mutações sem fim. Um poema belíssimo, que na fusão com a música reflete os grandes momentos que sempre encontramos quando Torquato Neto, o anjo torto da Tropicália; e Caetano Veloso, juntos criaram canções. A música adquire na voz de Gal Costa a dimensão exata da ruptura sintetizada, ela própria a romper com a timidez latente, atirada aos leões dos movimentos musicais que se faziam naquele fatídico 1968.
O sincretismo religioso do disco começa a tomar fôlego com a faixa “Bat Macumba” (Gilberto Gil – Caetano Veloso). Se dentro do contexto da MPB a canção passou indiferente, sem grandes marcas, dentro da estética sugerida pela Tropicália, é a única que realiza a proposta concreto-antropofágica. Seus versos são concretistas, a letra forma um K, sugerindo a realização de códigos verbal, sonoro e visual. A macumba, elemento popular de atos sincréticos no Brasil, é associada ao Batman, o homem morcego dos quadrinhos e das séries da televisão de então. A letra ao formar uma grande K, dá a estética concretista a qual o movimento aliara-se, sendo uma letra mais literária do que com mensagem musical:
Batmakumbayêyê batmakumbaoba
Batmakumbayêyê batmakumbao
Batmakumbayêyê batmakumba
Batmakumbayêyê batmakum
Batmakumbayêyê batman
Batmakumbayêyê bat
Batmakumbayêyê ba
Batmakumbayêyê
Batmakumbayê
Batmakumba
Batmakum
Batman
Bat
Ba
Bat
Batman
Batmakum
Batmakumba
Batmakumbayê
Batmakumbayêyê
Batmakumbayêyê ba
Batmakumbayêyê bat
Batmakumbayêyê batman
Batmakumbayêyê batmakum
Batmakumbayêyê batmakumbao
Batmakumbayêyê batmakumbaoba

A interpretação de Gilberto Gil entrelaça-se com o coro de Caetano Veloso, Gal Costa e Os Mutantes. É em cima dos arranjos que se percebe o sincretismo cultural, que se inicia com os vocais, uma viola ao fundo e percussão de atabaque, sugerindo “ponto” de terreiro. Dois ícones que irritavam a esquerda engajada, a religião, considerada por ela o “ópio do povo”, e o imperialismo, aqui diluído na personagem do Batman.
O álbum encerra-se com “Hino ao Senhor do Bonfim” (Petion de Vilar - João Antônio Wanderley), um hino sincrético e de grande popularidade religiosa. Metais e tons graves anunciam o hino, que Caetano Veloso e Gilberto Gil cantam com contrição. O coro que além dos dois cantores conta com Gal Costa e Os Mutantes, assume uma poderosa interpretação do refrão da música. Numa segunda fase, Caetano Veloso interpreta a melodia em ritmo de samba, de uma forma sincopada. Na parte final, o coro emite vozes sem cadência, reproduzindo um efeito acústico vertiginoso, diluindo-se entre o profano e o religioso, terminado com tiros abafados de canhão. Encerra-se o álbum. Está pronto o manifesto musical tropicalista.
A gravação da canção “Hino do Senhor do Bonfim” desagradou profundamente um grupo de católicos fervorosos, que ofendidos na sua religiosidade profanada, queriam mover uma ação contra o grupo. Também a esquerda engajada considerou a gravação como o ponto de arremate da alienação dos tropicalistas.
Longe de ser consenso, “Tropicália ou Panis et Circencis” foi como o movimento do qual se fez manifesto, amado e idolatrado por uns e odiado e repudiado por outros. Caetano Veloso considera o melhor álbum tropicalista produzido, já Gilberto Gil confessou não gostar dele quando o viu pronto. Com influências visíveis dos Beatles, o álbum cumpriu o objetivo de sintetizar a mensagem tropicalista e trazer à luz o movimento como um todo. Depois de lançado, em julho de 1968, a Tropicália seria interrompida em dezembro, com as prisões de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Com o fim do movimento, o álbum ficaria esquecido por muitos anos, só sendo relançado quando os seus intérpretes já tinham uma carreira sólida, e alguns deles, tornaram-se estrelas máximas da MPB.

Ficha Técnica:


Tropicália ou Panis Et Circencis
Philips
1968

Arranjos e regência: Rogério Duprat
Produção: Manuel Barenbein
Técnico de gravação: Estélio
Estúdio: RGE, SP
Período de gravação: maio de 1968
Concepção da capa: Rubens Gerchman
Fotografia: Oliver Perroy

Faixas:

1 Miserere Nobis
(Capinan - Gilberto Gil)
Interpretação: Gilberto Gil
2 Coração materno
(Vicente Celestino)
Interpretação: Caetano Veloso
3 Panis et circenses
(Caetano Veloso - Gilberto Gil)
Interpretação: Mutantes
4 Lindonéia
(Caetano Veloso)
Interpretação: Nara Leão
5 Parque industrial
(Tom Zé)
Interpretação: Caetano Veloso / Gal Costa / Gilberto Gil / Mutantes
6 Geléia geral
(Gilberto Gil - Torquato Neto)
Interpretação: Gilberto Gil
7 Baby
(Caetano Veloso)
Interpretação: Gal Costa / Caetano Veloso
8 Três caravelas (Las tres carabelas)
(E. Moreu - A. Alguerô Jr. - versão João de Barro)
Interpretação: Caetano Veloso / Gilberto Gil
9 Enquanto seu lobo não vem
(Caetano Veloso)
Interpretação: Caetano Veloso
10 Mamãe coragem
(Caetano Veloso - Torquato Neto)
Interpretação: Gal Costa
11 Bat macumba
(Caetano Veloso - Gilberto Gil)
Interpretação: Gilberto Gil
12 Hino ao Senhor do Bonfim
(Petion de Vilar - João A. Wanderley)
Interpretação: Caetano Veloso / Gal Costa / Gilberto Gil / Mutantes


download do álbum: http://rs354.rapidshare.com/files/193574002/cae68_www.opus666.com_.zip



marcus de barros.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Radiohead em estúdio em Janeiro.

http://www.correiomanha.pt/noticia.aspx?channelid=00000021-0000-0000-0000-000000000021&contentid=0F109221-4129-48B1-A84C-80A2DBE5EBAE&h=6

Os Radiohead vão voltar a estúdio no próximo mês para prosseguirem as gravações de um novo disco de originais.

A garantia foi avançada pelo guitarrista da banda, Ed O' Brien, no seu blogue oficial. 'Estou deveras empolgado com o que estamos a fazer, mas por razões óbvias não posso divulgar mais do que isso... Todos gostamos de surpresas, não é?', escreveu.
O novo disco sucederá a 'In Rainbows' lançado em 2007, que os Radiohead colocaram para download na sua página oficial. Cada fã pagava o que entendia pelo disco.

A minha voz, só de soslaio aparece.

A minha voz, só de soslaio aparece.
Ontem, foi o clima natalino que chegou em minha casa interiorana, e me deixou indignado o suficiente para ir dormir mais cedo.
Minha relação com meus parentes mais próximos - meus pais - é ótima. Porém, os familiares que chegam à casa - e que são até bem-vindos - trazem consigo o mundo da superficialidade e dos presentes de convenção que paira pelas cidades, pelas ruas e salas nestes dias ainda mais que nos outros dias do ano.
Minha indignação para com este clima, para com este ambiente que se instala nos dias festivos, foi convocada e me deixou um tanto estático. Definitivamente não me dou muito bem com as solenidades.
Vi um primo passar 4 horas seguidas explorando a agenda de seu celular de última geração em busca de nomes de pessoas que merecem uma mensagem pré-escrita de votos de felicidade, sucesso e paz. Não dei uma palavra sobre.
Não sei se é minha particular não-predileção pelo cristianismo como se dá hoje ou se é a minha reconhecida distância para com essa "coisa" que vem e deixa as pessoas presas numa rotina cíclica de compras e trabalho, onde não têm tempo de perceber-se como existência ou como corpo no mundo: parecem ser apenas fantoches das falácias e dos hábitos contemporâneos. Parecem não saber de onde vêm ou para onde vão (não que eu o saiba...)
Ontem, resolvi falar o mínimo possível: lembro sempre do "escutar bastante e falar apenas o necessário"; senão, falaria o que me estava na cabeça e iria representar uma rachadura no ambiente dos familiares - alguns de sorriso amarelo, que me perguntavam onde estavam minha barba ou minha namorada.
Amanheci o dia escutando as palavras: cheques, hipotéca, juros, empréstimos, carros...
Hoje resolvi substituir a indignação pelas palavras mudas que me saem pelos dedos e adornam minha tela - ao invés da caneta e do papel - e me sinto um tanto leve.
Sinto que minha indignação é bem-vinda e me faz sentir atento para com os espaços e instantes do mundo. Sinto-me alerta.



marcus de barros.

Furtar ao tempo o instante

Aqui, quero fazer algumas considerações sobre a falta de tempo, sobre as inversões que vieram com nossa contemporaneidade, que implicaram tanto nas cabeças, nos mundos, no espírito da humanidade que parece não saber de onde veio nem pra onde vai, caindo apenas em plasticidades e atingindo apenas a superficialidade dos corpos e das tecnologias que deixam os humanos cada vez mais beirando a estupidez.
Talvez a leitura e a compreensão destes poemas que seguem falem bastante desse tema que venho a pôr.
Manuel Bandeira certa vez escreveu:


Vou-me embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei


Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar


E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.


E então, um poeta contemporâneo, Hagner Hyngner, que acabei de conhecer através de outro poeta amigo, escreve:

Vou-me embora pra... só Deus sabe onde.
Aqui não tenho amigo nem rei , Nem a mulher que quero
Na cama que me deitei
Vou-me embora pra... só Deus sabe onde

Vou-me embora pra... só Deus sabe onde
Aqui eu não sou feliz , onde eu moro a existência é uma falácia
de todos os modos inconsequentes que qualquer garçonete, rainha ou demente
Pode ser até parente dos filhos que já tive
O que eu queria era um carro ao invés de uma bicicleta
queria uma rede, ao invés de tanto trabalho
mas, só me sobrou o mar
E depois de tanto cansaço sento na mesa de um bar mando chamar Irene pra me contar umas histórias
Que no tempo de menino Neide não teve tempo de contar.

Tem prostitutas bonitas
Ah, como tem... Pra gente se endividar
É assim que ando, triste, que triste assim não tem jeito
E de noite me dá vontade de matar -
Aqui não tenho amigo nem rei -
Aí sim, terei a mulher que quero
pra cama que me deitei
Vou-me embora pra... só Deus sabe onde
Peraí... E tem Deus?



Talvez já esteja tudo dito, e quem está atento não queira se prestar muito a textos. Muito porém, uma poesia verdadeira, por mais simples que seja, se atinge a linguagem da arte, traduzindo o cotidiano por gestos ou caminhos não-cotidianos, é sempre válida e deixa algo no leitor que está ainda atento para o que se passa na sua frente. E, aliás, deixo uma poesia de um cara chamado Rogério Skylab, que apesar do seu rock bobão-demente, conseguiu traduzir em uma simples poesia esse mundo contemporâneo que nos amarra os pés e nos furta o tempo:


Radinho de pilha

Num lapso de instante...
Como quem lê um livro
entre duas estações...
Escrevo rápido pra não dar na pinta.

Escrevo como quem rouba.
Sem chamar nenhuma atenção.
Como quem fabrica uma bomba.
No meio do serviço, sem que ninguém me veja,

eu escrevo nestes segundos fugidios.
O que me coube neste mundo, heim?
Furtar ao tempo o instante.

Encosta o ouvido.
Estamos na época da alta definição.
Escuta esse radinho de pilha.







marcus.
ainda indignado com o espírito forçado e superficial natalino contemporâneo.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Elogio a Tom Zé

Quero deixar registrada minha admiração sobre esta figura pluralíssima que carrega consigo o mais admirável caráter de inteligência, inovação, cultura e espírito poético, crítico e sarcástico elevados numa visão crítica, lúcida e otimistíssima sobre o mundo e as pessoas... acompanhado de um humor finíssimo, e aliás fino e ferino, sem cair na simples reprodução, sempre recriando.
o movimento, o novo, a mudança, a partir do que existe, como um re-movimento, uma recriação sobre o mundo, sobre a música, sobre a filosofia inclusive...
Sei que minhas palavras parecem sérias demais para falar de uma figura que paira acima da seriedade e consegue ser verdadeiro o suficiente com o mundo sem precisar cair nessa tal seriedade entediante da intelectualidade pedante que tanto recai sobre os compositores/artistas/poetas de tantas gerações.
Tom Zé é um mestre do movimento, da criação, da recriação.
E tanto mais.
Fico nas reticências, pois com isso não cabe nunca um ponto final ...

PS.: não se restrinjam a estas demonstrações que estão nestes vídeos que ponho aqui. não se restrinjam à algumas poucas músicas que escutarem, porventura, numa pequena e primária busca pelo conhecimento sobre esse velho sábio. escutem mais, e depois mais; é bastante plural, muito rico em vários aspectos.
se quiser ler o que ele escreve dia-a-dia, existe o blog: http://tomze.blog.uol.com.br/
mas o melhor, evidentemente é começar com sua música. aconselho como boas primeiras escolhas:
Estudando o Samba: http://www.4shared.com/file/145125345/85ee6a2b/Tom_Z_-_Estudando_o_Samba__197.html?s=1

Estudando o pagode: http://www.4shared.com/file/80501096/52cf716a/Tom_Z_-__2005__Estudando_o_pag.html?s=1

Todos os Olhos: http://www.4shared.com/file/132955100/37de624/Tom_Z_-_Todos_os_Olhos_-_1973.html?s=1