Apesar de desejá-lo bastante, ainda não consegui assisti-lo.
Não pude ir ao cinema, quando lá esteve e, agora, não encontro maneira de fazê-lo.
Quem me dá uma luz?
Marcus.
A Erva do Rato (2009)
Se alguém tinha dúvida de que o cinema de autor ainda poderia ser feito hoje no Brasil, e com uma qualidade bem próxima, até superior, ao cinema desse tipo que era feito nas passadas décadas de 60 e 70, agora não tem mais. Bressane, como um diretor que quer fazer de sua imagem um ícone da resistência do tipo de cinema citado, chega ao cume de sua arte cinematográfica feita ao público – algo que antes parecia causar ódio ao diretor, vendo o estilo histórico brasileiro, ou mesmo épico aberto desse intelectual.
Há muito diziam que ele tinha guardado a herança da narrativa de Glauber Rocha. Só que, em seus épicos como São Jerônimo, ou mesmo o Brás Cubas, Sermões de Padre Antônio Vieira, lembrávamos tanto de Glauber quanto um Jodorovsky mexicano. A razão de Bressane, hoje, ter deixado de lado as elucubrações monumentais e imagéticas de um cinema preocupado com causas da escritura nacional estão quase que evidentes na metalinguagem de Erva do Rato.
Parte então, ele, para um drama estabelecido entre um casal, que fora interpretado, ou expressado, por Alessandra Negrini e o ator da moda Selton Mello. Este último não só rouba a cena como o filme, em certa medida. Isso se nós encaramos, em um nível profundo de metalinguagem, que ali está uma discussão entre Bressane e Rosa Dias (mulher do diretor, professora universitária e também roteirista de alguns dos seus filmes, e, mais especificamente, deste). A relação do filme com o público é muito pacífica, chegando a ser até colaborativa. Ainda que o tom seja próximo da comédia, não se via algo desse tipo no cinema contemporâneo – mesmo com Selton Melo.
O personagem de Selton seria o fotógrafo que observa sua musa até seu desgaste. Poucas, quase nenhuma cena externa, economizando no orçamento. Coisa cara ao cinema autoral. E mais: bela fotografia, sem demais experimentações, de Walter Carvalho. Erva do Rato é simples, comum e inquietante – se é que alguém possa entender, aqui no Brasil, como alguém consegue inquietar outrem sem ser provocativo. Mas deve haver alguém que diga que esse filme provoca a platéia.
Já Negrini, vinda de Cleópatra, o épico absurdo, é uma moça interiorana que manca – tal como uma personagem de Machado de Assis (o filme, mais uma vez, é roteirizado em cima de dois contos do carioca Machado). Seus diálogos com o fotógrafo são cortados, incompreensíveis, extraordinários. Esse que seria o drama contemporâneo, é a ironia fina de um estilo que vem de tempos num país que, apesar de pobre, tem erudição em sua compreensão histórica e artística. Nisso, as imagens que ficariam pornográficas em um filme global (ou Global), são absolutamente devedoras a um modo do início do século, quando prostitutas faziam seu papel de musa em frente a pintores, fotógrafos e... cineastas iniciantes.
Não há prostituição alguma no filme – muito pelo contrário: há pintura. Há uma abertura de perspectiva acerca de como se pode fazer um cinema muito profundo atualmente. Bressane se mostra genial nesse filme, por muitos motivos. Preciso como nunca, nas imagens e nas falas. Uma espécie de Manoel de Oliveira da colônia – só que bem mais irritante, tóxico, e, sobretudo, subversivo. Bem melhor, diga-se de passagem, o barroco naif ao barroco estilizado. Continuando, claro, na comparação entre metrópole e colônia lusitana.
postado em http://nomeporque.blogspot.com/2009/07/erva-do-rato-2009.html
por
Mauro Luciano de Araújo