Com a postagem de alguns textos de Artaud, continuando uma série que na verdade já teve início há alguns dias, quando postei o texto sobre "A Liquidação do Ópio", tenho como intenção de compartilhar, divulgar ou apenas transcrever o que leio e que vem do espírito deste mais que conturbado e polêmico escritor/poeta/pensador que tanto me satisfaz ao passo que confunde ainda mais o meu também espírito.
Desta vez transcrevo a "Carta aos Reitores das Universidades Européias", que faz parte dos Manifestos e Cartas do Período Surrealista, do qual também faz parte o texto "Segurança Pública, A Liquidação do Ópio", que transcrevi dias atrás aqui.
"Carta aos Reitores das Universidades Européias
Senhores Reitores,
Na estreita cisterna que os Srs. chamam de "Pensamento", os raios espirituais apodrecem como palha.
Chega de jogos da linguagem, de artifícios da sintaxe, de prestidigitações com fórmulas, agora é preciso encontrar a grande Lei do coração, a Lei que não seja uma lei, uma prisão, mas um guia para o Espírito perdido no seu próprio labirinto. Além daquilo que a ciência jamais conseguirá alcançar, lá onde os feixes da razão se partem contra as nuvens, existe esse labirinto, núcleo central para o qual convergem todas as forças do ser, as nervuras últimas do Espírito. Nesse dédalo de muralhas móveis e sempre removidas, fora de todas as formas conhecidas do pensamento, nosso Espírito se agita, espreitando seus movimentos mais secretos e espontâneos, aqueles com um caráter de revelação, essa ária vinda de longe, caída do céu.
Mas a raça dos profetas extinguiu-se. A Europa cristaliza-se, mumifica-se lentamente sob as ataduras das suas fronteiras, das suas fábricas, os seus tribunais, das suas universidades. O Espírito congelado racha entre lâminas minerais que se estreitam ao seu redor. A culpa é dos vossos sistemas embolorados, vossa lógica de 2 mais 2 fazem 4; a culpa é vossa, Reitores presos no laço dos silogismos. Os Srs. fabricam engenheiros, magistrados, médicos aos quais escapam os verdadeiros mistérios do corpo, as leis cósmicas do ser, falsos sábios, cegos para o além-terra, filósofos com a pretensão de reconstituir o Espírito. O menor ato de criação espontânea é um mundo mais complexo e revelador que qualquer metafísica.
Deixem-nos pois, os Senhores nada mais são que usurpadores. Com que direito pretendem canalizar a inteligência, dar diplomas ao Espírito?
Os Senhores nada sabem do Espírito, ignoram suas ramificações mais ocultas e essenciais, essas pegadas fósseis tão próximas das nossas próprias origens, rastros que às vezes conseguimos reconstituir sobre as mais obscuras jazidas dos nossos cérebros.
Em nome da vossa própria lógica, voz dizemos: a vida fede, Senhores. Olhem para seus rostos, considerem seus produtos. Pelo crivo dos vossos diplomas passa uma juventude abatida, perdida. Os Senhores são a chaga do mundo e tanto melhor para o mundo, mas que ele se acredite um pouco menos à frente da humanidade."
PS.: anexo 1
dédalo s. m. adj.
dédalo
do Lat. Daedalu, n., p. s. m.,
labirinto; encruzilhada; confusão; complicação.
do Lat. daedalu adj., ant.,
engenhoso; complicado; executado com arte; ricamente adornado.
marcus.
sexta-feira, 19 de setembro de 2008
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2 comentários:
caro,
indubitavelmente, que puta texto!
"algumas pessoas" em minha universidade precisam recebe-lo,
imediatamente, foi o que pensei...!
artaud não é feito para concordar.
porém, concordo em tão grande parte.
marcus
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