À Mesa
(Antonin Artaud, em um dos "manifestos e cartas do período surrealista")
Abandonem as cavernas do ser. Venham. O espírito respira para fora do espírito. É tempo de deixarem suas moradas. Cedam ao Todo-Pensamento. O Maravilhoso está na raiz do espírito.
Nós estamos por dentro do espírito, no interior da cabeça. Idéia, lógica, ordem, Verdade (com V maiúsculo), Razão, deixamos tudo isso ao nada da morte. Cuidado com suas lógicas, Senhores, cuidado com suas lógicas, não sabem até onde pode nos levar nosso ódio à lógica.
E só por um desvio da vida, por uma parada imposta ao espírito, que se pode fixar a vida na sua fisionomia dita real, mas a realidade não está aí. Por isso é desnecessário, a nós que aspiramos a uma certa eternidade surreal, que faz muito tempo já não nos consideramos mais no presente e que nos assemelhamos a nossas sombras reais, é desnecessário virem nos aborrecer em espírito.
Quem nos julga não nasceu para o espírito, para esse espírito que desejamos expressar e que está, para nós, fora do que vocês chamam de espírito. Não precisam chamar nossa atenção para as cadeias que nos prendem à petrificante imbecilidade do espírito. Descobrimos um bicho novo. Os céus respondem à nossa atitude de insensato absurdo. Esse seu hábito de voltar as costas às questões não impedirá que, no dia certo, os céus se abram e uma nova língua se instale no meio das suas elucubrações imbecis, quero dizer, das elucubrações imbecis dos seus pensamentos.
Há signos no Pensamento. Nossa atitude de absurdo e morte é a da maior boa-vontade. Através das fendas de uma realidade doravante inviável, fala um mundo voluntariamente sibilino.
Sim, eis agora o único uso ao qual poderá prestar-se a linguagem, como instrumento para a loucura, para a eliminação do pensamento, para a ruptura, dédalo dos desregramentos e não como um DICIONÁRIO para o qual certos patifes das imediações do Seria canalizam suas contradições espirituais.
Marcus.
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
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2 comentários:
"E só por um desvio da vida, por uma parada imposta ao espírito, que se pode fixar a vida na sua fisionomia dita real, mas a realidade não está aí."
Essa lucubração nos textos de Artaud sobre esse dito parâmetro racional em que a gente caminha e caminha, e por muito vive sem perceber no que vive, me deixa num entusiasmo só, sobre sua maneira de falar dos axiomas, semblantes, de como se dão em sua perspectiva. Essa flecha de seu pensamento eu arranco do chão em que caiu, e guardo pra mim. excelente!
percebo em muitos momentos você pegar a flecha nas mãos, observá-la com a curiosidade de quem observa a um objeto recém descoberto, e lançá-la ainda mais adiante após uma reflexão - ou, quem sabe, reflechão.
conhecimento é mais que re-conhecimento; não basta sempre re-conhecer os simbolos, é necessário a criação, o novo, sobretudo o diferente.
é necessário sempre um "fim" ao cotidiano.
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