"Enquanto não conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do desespero humano, não teremos o direito de tentar a supressão dos meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero."
Antonin Artaud

quarta-feira, 5 de maio de 2010

"O indivíduo quer ser alguém" (Paulo Gaudêncio, Tom Zé)

Ninguém aguenta ser massa, o indivíduo quer ser alguém (Paulo Gaudêncio sobre a cidade de São Paulo)
Tom Zé no quadro arquivo do Radiola na TV Cultura - música "A Gravata".
(Não descobri a data desta gravação, mas imagino que esteja entre 68 e 71, 72...)




Quero compartilhar também o texto escrito na contra-capa do primeiro LP do Tom Zé, de 1968 (que acabo de descobrir e ler).


"Somos um povo infeliz, bombardeado pela felicidade. O sorriso deve ser muito velho, apenas ganhou novas atribuições. Hoje, industrializado, procurado, fotografado, caro (às vezes), o sorriso vende. Vende creme dental, passagens, analgésicos, fraldas, etc. E como a realidade sempre se confundiu com os gestos, a televisão prova diariamente, que ninguém mais pode ser infeliz. Entretanto, quando os sorrisos descuidam, os noticiários mostram muita miséria. Enfim, somos um povo infeliz, bombardeado pela felicidade.(As vezes por outras coisas também). É que o cordeiro, de Deus convive com os pecados do mundo. E até já ganhou uma condecoração. Resta o catecismo, e nós todos perdidos. Os inocentes ainda não descobriram que se conseguiu apaziguar Cristo com os privilégios. (Naturalmente Cristo não foi consultado). Adormecemos em berço esplêndido e acordamos cremedentalizados, tergalizados, yêyêlizados, sambatizados e missificados pela nossa própria máquina deteriorada de pensar. "-Você é compositor de música "jovem" ou de música "Brasileira"?" A alternativa é falsa para quem não aceita a juventude contraposta à brasilidade.. (Não interessa a conotação que emprestam à primeira palavra). Eu sou a fúria quatrocentona de uma decadência perfumada com boas maneiras e não quero amarrar minha obra num passado de laço de fita com boemias seresteiras. Pois é que quando eu abri os olhos e vi, tive muito medo: pensei que todos iriam corar de vergonha, numa danação dilacerante. Qual nada. A hipocrisia (é com z?) já havia atingido a indiferença divina da anestesia... E assistindo a tudo da sacada dos palacetes, o espelho mentiroso de mil olhos de múmias embalsamadas, que procurava retratar-me como um delinquente. Aqui, nesta sobremesa de preto pastel recheado com versos musicados e venenosos, eu lhes devolvo a imagem. Providenciem escudos, bandeiras, tranquilizantes, antiácidos, antifiséticos e reguladores intestinais. Amém.
TOM ZÉ
P.S.: Nobili, Bernardo, Corisco, João Araújo, Shapiro, Satoru, Gauss, Os Versáteis, Os Brazões, Guilherme Araújo, O Quartetão, Sandino e Cozzela, (todos de avental) fizeram este pastel comigo.
A sociedade vai ter uma dor de barriga moral
O mesmo"     (Tom Zé - 1968, contracapa do LP)






marcus de barros

Nenhum comentário: