"Enquanto não conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do desespero humano, não teremos o direito de tentar a supressão dos meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero."
Antonin Artaud

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Un rêve


Um sonho tem a propriedade de colocar-nos em situações que podem refletir, com algum nível de ligação, o que vivemos e sentimos quando acordados. Essa última noite (do dia "não-importa-qual"), sonhei e lembrei-me do sonho assim que acordei (ou apenas não esqueci-o em momento algum). Na verdade, recordo-me de dois sonhos que tive durante essa noite citada, porém farei referência ao qual percebi mais fundo de significado e ligação com o awake-time (tempo-desperto).Descrever um sonho é uma tarefa um tanto impossível de ser feita plenamente, ao ponto de atingir o completo entendimento sobre quem lê a descrição. Porém, ouso a tentativa de usar breves explicações e referências ao sonhado, visando passar ao menos uma longínqua idéia do que me foi passado pela cabeça.Estava eu e mais algumas pessoas. Não muitas, embora mais que uma e não mais que três. O lugar onde estávamos era montanhoso, algo como um vale, entre morros e campos, onde o verde prevalecia. As imagens não me vêm muito claras, mas creio que era dia. Lembro-me bem que durante nossa caminhada campestre um ar de "algo vai acontecer agora, agora, ... agora..." pairava, porém nada ainda acontecia. Só a sensação da iminência de algum acontecimento, o qual esperávamos sem saber o qual. A recordação seguinte é a de uma enxurrada de água ter começado a jorrar pelas entranhas do vale, vindo sempre de encontro ao lugar que estávamos. O chão mais ao fundo (na parte mais baixa do vale) começava a se tornar um rio de água marrom, barrenta, pois era essa a cor da água (como água proveniente de chuvas violentas, porém não chovia). Tudo que nos importava nesse momento era subir. Subir para o topo do vale, escalar as paredes montanhosas do morro que estava à nossa frente, ir para longe da água que soava bastante perigosa. Mas quanto mais subíamos, distanciando-nos da água, mais água existia, e tinhamos que subir mais. Nesse momento faço uma breve pausa no andamento da descrição do cenário para falar sobre as pessoas das quais recordo-me a presença nesse momento. Minha mãe estava em algum lugar no sonho, embora eu não possa recordar exatamente onde (talvez em minha mente). Spock estava do outro lado do rio (o fundo do vale já havia se tornado um rio de água corrente e relativamente violenta). Entre eu e Spock havia uma forte correnteza que impedia-o de vir para o lado onde eu estava, que era o lado que eu acreditava que continha a única saída para "salvar-nos" da enxurrada crescente. E é nesse ponto que chego aonde pretendia quando comentei sobre o fato dos sonhos terem a faculdade de refletir o nosso estado desperto, digo refletir de alguma maneira não tão exata, maneira essa muitas vezes metafórica, se é que podemos denominá-la assim. Recordo-me vagamente de chamar "Venha velho (Spock), se jogue na água e venha pra o lado de cá enquanto é tempo, vamos! Senão a água vai lhe levar. Eu lhe ajudo! (dando a mão nesse momento)". E parece que ele queria vir, olhava pra mim buscando coragem ou algo do tipo para pular, mas ainda não vinha. E esse momento durou bastante, até que ele veio. Veio e nesse momento olhamos em direção à montanha para seguir em frente com a escalada para nos salvarmos da água que subia cada vez mais. Nesse momento em que pretendíamos continuar subindo o morro, uma parede que antes não havia lá, acabava de aparecer diante de nós, dificultando nossa escalada. Mas não desistiamos. Começamos a quebrar a parede com algum tipo de marreta que nos apareceu nas mãos. Ao tempo que quebrávamos a barreira, nos aparecia o lado de lá, com mais morro para ser escalado. E escalávamos, subíamos indo cada vez mais distante da água violenta e em busca de nosso objetivo que era simplesmente sair daquele lugar que se tornava demasiado perigoso. Sinto que o sonho continuou bastante após isso, mas agora não consigo lembrar-me mais como continuava. O que ficou de interessante pra mim foi o fato de sentir meu amigo o mesmo tempo perto e longe de mim. Como se estivéssemos fortemente ligados de alguma maneira, eu diria, mais "espiritual" do que física. Pois enquanto os dois queriam estar unidos para seguir a escalada, um não ia enquanto o outro não o acompanhasse. Nesse caso, eu não seguia caminhada enquanto Spock não atravessasse o rio para o lado que eu estava e acreditava conter a saída possível (e que alguma coisa me diz, realmente continha a saída). Outra coisa que ficou pairando sobre minhas buscas por significado real do sonho, foi o fato de eu chamar Spock pra vir e ele hesitar alguns momentos antes de atravessar. É um reflexo da minha personalidade agindo sobre a do meu amigo. Como se eu o chamasse para aderir a uma das minhas certezas (hum! certezas! quem me dera tê-las comigo.) e ele contrabalanceasse com as dele antes de chegar a "atravessar o rio" de fato. Nesse caso o rio é uma bela e enorme metáfora para as diferenças que nos fazem seres humanos diferentes uns dos outros, e também para mostrar que estamos sempre aprendendo com e aderindo às idéias dos outros, principalmente às dos amigos. Nesse caso Spock atravessou e veio para o lado onde eu habitava no momento, mas poderia muito bem eu ter ido para o lado onde ele estava. Talvez se o Spock tivesse sonhado sobre isso tivesse sido assim. Outra coisa que me chamou a atenção foi o fato de sempre estar aparecendo novas dificuldades durante o decorrer do sonho, uma após outra e assim por diante. Pus aqui apenas uma parte do sonho da qual me recordo mais claramente, mas houveram vários outros momentos. Essa coisa de sempre aparecer novas dificuldades onde a visão anterior não enxergava tais dificuldades é um reflexo direto do nosso dia-a-dia, onde tudo está sempre em constante mudança, e essas mudanças trazem novos desafios e novas oportunidades e assim vamos construindo algo ao qual chamamos vida, vamos construindo nossas dúvidas e nossas certezas (embora essas últimas sejam mais escassas). Ao decorrer dessas mudanças que vão aparecendo, ao decorrer dessas mutações, dá-se algo à que atribuímos o conceito de tempo. Esse conceito de tempo está arraigado na sociedade e cultura em que estamos inseridos há séculos e nos faz aderir à uma organização sistemática do tempo e da vida que nos é imposta desde o momento em que nascemos. A grande diferença do sonho é que o conceito de tempo é extinguido, quebrado pela raiz. O que pode ter durado 10 minutos no "tempo real" parece ter sido uma existência num sonho e vice-versa. O que muitos não compreendem é que o que vivemos nesse estado que chamamos de "desacordado" onde sonhamos também é fruto direto das energias que confluem para formar nossa pessoa, nosso ser. Então também é nossa vida, também é "a gente vivendo". Depois que descobri que sonhar também é viver, minha relação com os sonhos se tornou bem mais saudável e me trouxe alguns conhecimentos, além do prazer de sonhar. Prazer em sonhar. É assim que penso sobre os sonhos hoje. Há quem diga que durmo demais, talvez eu mesmo o diga em algumas ocasiões. Enfim, durmo só porquê é assim que consigo sonhar. Se não existisse o sonho talvez eu nem durmisse, ou talvez se eu pudesse sonhar acordado, aí é que não durmiria, mas viveria num eterno "rêver" (sonhar). Opa, espera um momento, quem disse que eu não posso sonhar acordado?! Posso sim.

Marcus T.

PS.: Que revolta foi essa contra a nossa querida nação, Mago?!

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