"Enquanto não conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do desespero humano, não teremos o direito de tentar a supressão dos meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero."
Antonin Artaud

domingo, 8 de novembro de 2009

Como num mundo de depois do fim do mundo

"A literatura fantástica será possível no ano 2000, submetido a uma crescente inflação de imagens pré-fabricadas? Os caminhos que vemos abertos até agora parecem ser dois: 1) Reciclar as imagens usadas, inserindo-as num contexto novo que lhes mude o significado. O pós-modernismo pode ser considerado como a tendência de utilizar de modo irônico o imaginário dos meios de comunicação, ou antes como a tendência de introduzir o gosto do maravilhoso, herdado da tradição literária, em mecanismos narrativos que lhe acentuem o poder de estranhamento. 2) Ou então apagar tudo e recomeçar do zero. Samuel Beckett obteve os mais extraordinários resultados reduzindo ao mínimo os elementos visuais e a linguagem, como num mundo de depois do fim do mundo." (Italo Calvino, em "Visibilidade", a quarta das "Seis propostas para o novo milênio", escritas em 1985.)

Isso foi escrito por Calvino em 1985, e pré-diz muito bem o que poderia vir e veio, e virá ainda.
Não posso continuar sem comentar que essas "Seis propostas..", que são cinco - Calvino morreu antes de terminar o projeto - são, sem dúvida, a melhor coisa que li desde muito tempo; que me levou aquele gozo literário que acompanha as grandes descobertas provocadas pela palavra escrita, onde deitado na rede você encosta o livro no peito e reflete a leitura durante alguns momentos acompanhado de uma sensação de que algo grande e autêntico ainda pode ser encontrado em meio a todo esse mundo falso que nos envolve cada vez mais em nossa conteporaneirade, não posso deixar de comentar também.
Mas enfim, o que queria colocar é que me parece que os caminhos andam mais para o número um do que para o número dois - dentro desses que Calvino acabou de enumerar no excerto de texto que está recortado. Uma ironia parece ser mais utilizada do que um "mundo de depois do fim do mundo". Mas não quero discutir isso agora, seria demasiado extenso para o que me proponho nesses vinte minutos em que escrevo - na verdade deveria, tanto mais, dedicar cinco mil minutos para isso, e não só, que mais interessa do que o que mais me proponho a fazer nos meus dias, mas isso é uma outra questão... reticências.
O que quero colocar ainda, finalmente, além de fazer atenção sobre a necessidade de reflexão demorada sobre tal assunto, é que Antonin Artaud propôs em suas propostas para o teatro: "é preciso acabarmos com todas as obras de arte", para que criássemos algo novo e, não só aí, propôs que fugíssemos dos atos cotidianos que nos aprisionam em uma constante re-produção das coisas. Estamos sempre re-conhecendo, re-produzindo, re-presentando; devemos conhecer, produzir e apresentar algo novo, algo diferente; nunca um ator deve repetir o mesmo ato; o cotidiano deve ser abandonado para que uma nova maneira de encarar a vida e o mundo aconteça; não está mais que provado que desta maneira que estamos indo desde muito está dando errado?
Me parece que o "acabar com as obras de arte" de Artaud combina bastante com o segundo caminho de Calvino, o "um mundo de depois do fim do mundo". E com isso eu penso: Artaud, moderno, século XX, pós-moderno, século XXI...
Enfim, a proposta é: além do re-pensar, o pensar. Além do re-escrever, o escrever. Vamos abolir o "re" e vamos dar continuidade à busca pela diferença de que Deleuze fala, de que Artaud fala.
Imagina se o bigode do Nietzsche chegasse com o dono agora e nos visse assim, sentados e parados, apenas re-produzindo e re-conhecendo tudo o que se passa, o que ele nos diria?
Apesar das superficialidades, das confusões e das necessidades, fico, novamente, nas reticências.
Elas me aprazem com a proposta do tempo para pensar, do devir.
Como Leminski quando fala:
"tudo assim como a resposta fica
quando chega a pergunta".

Marcus de Barros.
Nov/2009

4 comentários:

Rodrigo de Morais disse...

Senti uma grande vontade de comentar no momento seguinte à leitura deste post ontem, mas logo fui abstraído para outro foco, dentro do meu próprio espaço e cabeça. Agora, melhor dizendo, hoje, comento em cima de um insight que tenho sobre mim; sobre ser-no-mundo. Nada mais preenche tanto uma idéia a ser-dizer que levar à razão do discurso um sentido-do-vivido sobre o que se diz na fala: emoção. Percebo mais uma vez como se fosse à primeira vez, que estar só por um tempo abrem-se portas para grandes, e Valiosas compreensões de si no mundo. E sem dar-se conta de si, experimentando o som de uma banda que conheci hoje, me percebi “meditando” sentado com as duas mãos fechadas, como que numa posição de ataque, que logo pude perceber que não se tratava precisamente de uma “posição de ataque”, este gesto - se é que me fiz claro falando da situação como um gesto - tratou-se então de ser o momento de um sujeito se percebendo de que: Este-é – o sujeito - uma vida que não-é só uma vida, e de que nisto, atravessado pela redução em sua linguagem e concepção do momento do que é chamado de Vida, em seu tempo presente na existência, ele no seu mais profundo sentido, só tem a si nesse corpo-infinito, nisto que é vida; é Nele mesmo que este indivíduo aqui tem que se sustentar, enquanto “indivíduo-de-psiquismo”. Eu estava então me sentindo se sustentar, agarrado em si, com sua/minha força, no embalo dessa música que deixou em mim o sentimento de uma saudade sem endereço, que logo pude perceber ser o sentimento que me toma vez por outra quando me identifico com a música tocada, e quando esta é nova para mim. Sob o regime de meu pensamento lógico, conclui ser saudade de Vida. Saudade de quem está vivo para... ,fazer, desconstruir, tentar de novo, construir, compreender, e elaborar! Enfim, trago esse comentário como um anexo de experiências; como uma sobreposição de saberes-coisa
num conjunto de escritos.

Gilson disse...

Eu amo meus amigos. Um grande abraço a voz. Um sorriso.

Anônimo disse...

amamo-nos amigo.
amamo-nos amigos.
e isso basta.
M.

Diego. disse...

Tenho grande admiração pelo fazer por si mesmo. Pensar por si mesmo. Fazer o pensamento surgir de dentro, florar as ideias. "ao pensamento não é possivel se dedicar arbitrariamente. Ele precisa ser ocupado por algum interesse nos assuntos para os quais se volta; mas esse interesse pode ser puramente objetivo ou puramente subjetivo" (Schopenhauer). Então o embasamento de ser único, de ser inovador, criativo e diferente, é puramente voltado ao pensamento..individual.