"Enquanto não conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do desespero humano, não teremos o direito de tentar a supressão dos meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero."
Antonin Artaud

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

A minha voz, só de soslaio aparece.

A minha voz, só de soslaio aparece.
Ontem, foi o clima natalino que chegou em minha casa interiorana, e me deixou indignado o suficiente para ir dormir mais cedo.
Minha relação com meus parentes mais próximos - meus pais - é ótima. Porém, os familiares que chegam à casa - e que são até bem-vindos - trazem consigo o mundo da superficialidade e dos presentes de convenção que paira pelas cidades, pelas ruas e salas nestes dias ainda mais que nos outros dias do ano.
Minha indignação para com este clima, para com este ambiente que se instala nos dias festivos, foi convocada e me deixou um tanto estático. Definitivamente não me dou muito bem com as solenidades.
Vi um primo passar 4 horas seguidas explorando a agenda de seu celular de última geração em busca de nomes de pessoas que merecem uma mensagem pré-escrita de votos de felicidade, sucesso e paz. Não dei uma palavra sobre.
Não sei se é minha particular não-predileção pelo cristianismo como se dá hoje ou se é a minha reconhecida distância para com essa "coisa" que vem e deixa as pessoas presas numa rotina cíclica de compras e trabalho, onde não têm tempo de perceber-se como existência ou como corpo no mundo: parecem ser apenas fantoches das falácias e dos hábitos contemporâneos. Parecem não saber de onde vêm ou para onde vão (não que eu o saiba...)
Ontem, resolvi falar o mínimo possível: lembro sempre do "escutar bastante e falar apenas o necessário"; senão, falaria o que me estava na cabeça e iria representar uma rachadura no ambiente dos familiares - alguns de sorriso amarelo, que me perguntavam onde estavam minha barba ou minha namorada.
Amanheci o dia escutando as palavras: cheques, hipotéca, juros, empréstimos, carros...
Hoje resolvi substituir a indignação pelas palavras mudas que me saem pelos dedos e adornam minha tela - ao invés da caneta e do papel - e me sinto um tanto leve.
Sinto que minha indignação é bem-vinda e me faz sentir atento para com os espaços e instantes do mundo. Sinto-me alerta.



marcus de barros.

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