"Enquanto não conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do desespero humano, não teremos o direito de tentar a supressão dos meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero."
Antonin Artaud

sexta-feira, 27 de março de 2009







"No hall da estação se deu conta de que faltavam trinta minutos. Lembrou-se de repente de que num café da rua Brasil (a poucos metros da casa de Yrigoyen) havia um enorme gato que se deixava acariciar pelos clientes, como uma divindade desdenhosa. Entrou. Lá estava o gato, adormecido. Pediu uma chícara de café, adoçou-o lentamente, provou-o (esse prazer lhe tinha sido vedado na clínica) e pensou, enquanto alisava o pêlo negro, que aquele contato era ilusório e estavam como que separados por um vidro, porque o homem vive no tempo, na sucessão, e o mágico animal, na atualidade, na eternidade do instante."

Jorge Luis Borges, fragmento do conto "O Sul", contido no livro de contos Artifícios (1944) (o mesmo que contém um conto chamado "Funes, O memorioso", acerca de um homem que, segundo o narrador, "sozinho tinha mais lembranças que terão tido todos os homens desde que o mundo é mundo". E mais adiante, "Funes apenas não se recordava de cada folha de cada árvore de cada morro, mas ainda de cada uma das vezes que a tinha percebido ou imaginado", sua memória "podia reconstituir todos os sonhos, todos os entresonhos. Duas ou três vezes tinha reconstituído um dia inteiro; não tinha duvidado nunca, mas cada reconstituição tinha exigido um dia inteiro." Para finalizar minha alusão ao que considero um dos melhores, senão o melhor, conto do escritor argentino fantástico, ainda sobre Funes, "meu sonho é como a vigília de vocês".)

Na realidade fantástica e labiríntica, onde o tempo é quase sempre circular e os instantes podem ser mais duradouros e interessantes que toda a história do tempo linear, entro em um mundo paralelo e sou engolido por um abismo da literatura fantástica e sapiente quando me dou a ler e compreender o que o velho Borges achou por bem colocar em seus livros.
Minha vontade, ao escrever isto, é de compartilhar tal maravilha com vocês, meus queridos queridos.




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divido a postagem ao meio e inicio aqui um outro tema.
este, resumo em uma frase e três imagens:
"Construção em abismo".























Las Meninas - Diego Velasquez. 1966.





















Escher.




















“O Atelier”, de Johannes Veemer - século XVII.



para finalizar, indico uma matéria sobre cinema (abrangendo outras artes) feita por um amigo, Dioguinho Luna, mais especificamente, sobre o filme "8 e meio" de Federico Fellini e sobre o conceito de "construção em abismo": http://acertodecontas.blog.br/cultura/sobre-fellini-oito-e-meio/ . Lá, Diogo desenvolve melhor o tema da construção em abismo e comenta as telas de Veemer e Velasquez, além de belamente falar sobre a obra-prima de Fellini.



marcus.

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