"Enquanto não conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do desespero humano, não teremos o direito de tentar a supressão dos meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero."
Antonin Artaud

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

(Praticando a incompreensão Texto II: com Tensão de Grave.)



A VISÃO MUSICAL DE MUNDO

Para aquele que musica o mundo, toda emoção ganha forma sonhada de acordes. E toda emoção sonhada/vivida em acordes é tudo aquilo que também (não) poderia ser dito por ele, sendo transposto por notas, as Suas notas. Para aqueles que não musicam o mundo, mas vive um mundo musicado nos sonhos acordados por emoções de outrem, tornar-se-á cabível assisti-los/ouvi-los assiduamente. Senti-los nos parâmetros dos pensamentos próprios, sem jamais ousar interpretar, o que é o incomensurável incômodo do músico de não conseguir por palavras ministrar suas angústias, falar de suas paixões ou indagar suas próprias opiniões de mundo, esclarecidas para si unicamente no balanço do pendulo emotivo da alma, substanciado no calabouço das notas musicais. A difícil tarefa de mostrar uma canção - falo aqui das que não transmitem ideologias. - é o doloroso saber que de suas emoções arrepiantes - seu real fundamento de musicar - (seja sobre suas músicas, seja sobre sua interpretação das musicas alheias), tornar-se-á para grande maioria apenas embalo ocasional, quando não “platéia” em contemplação por adorno. Aquilo que é feito com muito amor, não é condição de fácil exposição. O talentoso não jorra o seu amor o doando à toa, como queda d’água por cachoeiras à mercê de vislumbres para fotografias. O homem que sente amor e o manifesta por arte, arde de angustia se perceber-se sujeito a critérios reducionistas; ele se omite, e tudo guarda. A incompreensão para o artista desta ótica é forte fonte de inspiração; por ser demasiado dolorosa condição de exorcizar-se no mundo, e um meio de se cumprir, no traquejo com a dor, uma via facilitadora de concentração, exposição.


A música, para o talentoso que silencia seus pensamentos em canalização com o instrumento, vivencia nele a extraterritorialidade atemporal que há no planisfério do mundo (a)tonal, senão da existência em si, como prova maior de que arte nenhuma, nesse lugar, em si existe para o outro. O seu contato de si para o outro se dá no córrego de suas notas através do rio de nada para aquele que puder a este enxergar - aqui metaforizando a condição inapropriada de reprodução da linguagem -. Em oposição, a tradução dos sons por legendas, é, no entanto mais uma tentativa de empirismo do homem e uma atribuição de valor metodológico a, nesse caso, toda construção musical. Por mais eficaz que se faça o método - haverá os que no método estagnarão- a forma sonhada das notas, em gráficos, para aqueles que as realizam como tradução e linguagem momentânea de si não significará nada. Os sons sonhados se desenhados, tornar-se-á textos, se repetitivos, salmos. Mas se linguagem for por emoção do instante uma canção, não haverá necessidade de cálculos. Este espírito de arte não está enclausurado no perpetuar, na postura de anseio de ter sua “fala” por outros corpos, seu texto por outras mãos, seus salmos por outros anciões. Aqui se vê uma cisão da música no artista: como linguagem aos indiferentes à sua condição de arte como status, e linguagem aos que condicionam suas emoções sonhadas aos métodos de gráficos calculados; estes almejam vender-se em sua arte.


Se não pensarmos em tragédias, o amor é o único mecanismo que atinge dois extremos num talentoso: são estes a capacidade de anular ou intensificar alienadamente seu contato com suas “obras”. O talentoso está sempre renascendo de suas próprias invenções, criações. A autocrítica realça-se no impacto da fala pela obra nos sujeitos indiferentes a ela. A sensação de impotência sobre o outro, causa no âmago uma cobrança rígida de superação do que não existe. Não existe, pois o talento musicado consiste no vislumbre do ouvinte que atenta, portanto na coerente impossibilidade de interpretação precisa da emoção da obra, e na não intenção do artista em revelar seu irrevelável - ato nobre de não atribuir a sua arte características terapêuticas, quando na angustiante incompreensão, portanto, no sofrimento, é onde reside sua fonte de obra base. Quando se fala na coerente impossibilidade de interpretação, fala-se do absurdo ato tendencioso humano que é a vontade de capturar o fenômeno, revelar, descobrir, acertar. Nada fixo está revelado numa nota musical. Tudo está aberto às invenções da mente também criadora que observa. A nota musical está, mas e não é de uma mesma forma para todo observador. A arte não é o objeto, é a imagem – aqui possivelmente recriada. Não há acerto de reprodução de imagem no campo das notas em melodia do desejo. Capturá-la é classificá-la, uma determinante incabível.


Aquele que paira no delírio das notas está fadado a um silencioso labirinto pelo arrepio dos tons, por uma linguagem do infinito, e uma sensibilidade que não marca ou transparece origem de sentimentos, e sim lugares de manifestações avulsas.

De Morais

3 comentários:

Gilson disse...

Sobre a Notação Musical

Meu querido, terminando de ler seu texto, fui direto as minhas partituras. Peguei nas folhas, nas páginas, como quem saboreia um copo de vinho. Olhei para o titulo da obra, seu autor e analisei o texto escrito. A indicação de expressão da peça era “allegro appassionato” ,ou seja, deverá ser tocado de maneira rápida e apaixonada. A peça começa “fortifortíssimo”. Toquei a rápida sucessão de acordes dos primeiros três compassos com dedos de martelos, cravando o fundo das teclas... sonoridade de peso. Senti-me perto de Deus, não no meu quarto, não em Recife. Tão bela a harmonia, seu poderio latente. Pensei... que bom poder vivenciar dentro de mim tão belas obras. Quão bom será ainda compor as minhas próprias. Um texto é um texto, nada mais. Mas o que se pode fazer com ele, a vida que nele pode se inserir, isto sim, é pura arte.

Rodrigo de Morais disse...

há pureza na arte para todo aquele que se manifestar ou provocar emoção por ela. Seja o acadêmico Dr, ou o analfabeto invisível. Esqueci de pensar hierarquia em música. A divisão da arte que crivou-se em mim, e a indiferença aos planos, me fez perceber que a nomenclatura não vai me dizer nada se o que reparado me comover. Seja a imagem, o som, ou ambos de que lugar for.

Gilson disse...

concordo, concordo mesmo. escuto "smile from the streets" com o mesmo afinco. Estudar musica pra mim é um enorme prazer, quero conhece-la para poder fazer dela o que eu quiser. Que gozo é poder fazer da música o que você quiser... isso é estudo, dedicaçao, esforço. mas o universo sonoro é infinito e quanto mais se cava mais se encontra, e eu tou ai, de peito aberto a todos estes desafios que dao tanto sentido a minha existencia.