"Enquanto não conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do desespero humano, não teremos o direito de tentar a supressão dos meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero."
Antonin Artaud

sábado, 18 de agosto de 2007

Bolha de percepção

Mago,
li teus textos dos dias 14 e 17 de agosto, e comecei fazendo um comentário acerca do que havia acabado de ler e, consequentemente, de conjecturar sobre. Só que o comentário começou a crescer, crescer, e transformou-se em um texto, que resolvi postar, porém, a título de comentário.

"Creio que existem várias classes de "momentos" para serem vividos por nós, porém quero descrever aqui duas dessas classes, sobre as quais eu passo minha humilde vida variando entre uma e outra. Vou tentar esclarecer meus pensamentos a respeito.
O primeiro desses "momentos" aos quais me refiro é bem exemplificado por aquelas horas íntimas em que estamos no nosso próprio quarto, lendo um livro que deveras nos interessa, repleto de "ensinamentos" acerca de como perceber o mundo externo e interno a nós (metaforizado ou não), sejam esses "ensinamentos" vindos em forma de poesia, relatos, romance, etc.; ou então naquelas outras ocasiões onde conversamos com nossos queridos amigos sobre o que entendemos do mundo "lá fora" e "aqui dentro". (Essas ocasiões onde conversamos com os mais chegados pode até estar em uma classe intermediária de "momentos", entre a primeira e a segunda). Com esses momentos (que, claro, não se resumem a livros, filmes, conversas, ou apenas pensamentos) nos preparamos e buscamos entender o que está dentro de nós, embora nunca alcancemos a totalidade dessa compreensão.
Já, o segundo dos "momentos" pode ser bem representado por ocasiões em que nos vemos em meio a um evento social, por exemplo, ou em uma grande festa de família, ou até no meio da rua. Essas ocasiões exigem que nos portemos de modo a mostrar quem somos exteriormente. As pessoas que nelas se encontram, na maioria, nos julgam pelo que aparentamos ser, embora as mais sensíveis nos percebam pelos nossos olhares ou gestos (o que fala uma linguagem bem mais próxima do que realmente somos). Enquanto estamos percebendo os outros, os outros nos percebem. E nessa troca de percepções nos descobrimos ao passo que descobrimos também o diferente. Não adianta ficar fechado em uma bolha de individualidade onde a única lei de interpretação do mundo é a sua própria, há de haver algo sempre novo, sempre um aprendizado, sempre uma mudança. Assim vamos lapidando a nós mesmos, assim vamos conhecendo a nós a aos diferentes, assim vamos olhando e "vendo", ao invés de criar uma imagem bem distante daquilo a que se olha, ao invés de ficar criando um mundo próprio dentro de uma bolha e esquecer que se pode crescer.
Eu gozo no meu mundo, gozo quando estou na minha bolha. Mas também tento gozar ao sair dela, também tento gozar ao perceber as bolhas alheias.
Talvez precisemos nos preparar para algum dia estourar a bolha, rasgar a bolha. Ou melhor, tornar ela difusa, ao ponto de estar entranhada mesmo na existência de todas as outras coisas exteriores a nós. Fazendo com que nós (cada Eu) estejamos fazendo parte de uma unidade maior que nossa individualidade forçada e mesquinha, fazendo com que nos tornemos menores e maiores ao mesmo tempo. Vale salientar que não precisamos invadir, de maneira alguma, as bolhas alheias. O que precisamos é enxergar que essa bolha na qual estamos ofusca nossa percepção do mundo como um todo, que nossa percepção pode se estender bastante, que a maneira à qual estamos habituados a viver e a ver o mundo é que ofusca essa percepção, é que nos tolhe."


Marcus T.

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